O que os adultos tem a aprender com Steven Universe?
“If I could begin to be
Half of what think of me
I can do about everything
I could even learn how to love like you” (Love Like You – Steven Universe)
Mais difícil do que falar de uma coisa que não gostamos, é falar sobre o que amamos. Quando recebi o convite pra escrever para esse especial de dia das crianças, fiquei me perguntando como falar de uma coisa que me tocou de tantas maneiras como Steven Universe sem ser clichê.
Então eu entendi porque é tão difícil não ser sentimental quando se fala desse desenho: Steven Universe é sobre amor. Mas não o amor romântico como nos filmes de princesa da Disney. O desenho trata o amor como sentimento, como combustível para nossa existência e como força motora para mudar o mundo.
E por isso eu decidi separar razões pra você que já é crescidinho aproveitar esse feriado de dia das crianças e dar uma chance pra esse desenho.
Mas sobre o que é Steven Universe?
Na pacata cidadezinha litorânea de Beach City, vive um menino chamado Steven. Ao primeiro olhar, parece uma criança qualquer, mas ele na verdade é um híbrido entre humano e uma forma de vida alienígena de pedras preciosas (gems) mágicas originárias de outro planeta — chamado por elas de Homeworld. Criado por três dessas gems, Garnet, Pearl e Amethyst, o desenho gira em torno de Steven descobrindo suas habilidades do seu lado gem.
Sua mãe, Rose Quartz, foi enviada em uma missão para conquistar a Terra em nome da galáxia de Homeworld ainda nos primórdios da existência do planeta. Contudo, Rose acaba se apaixonando pela vida terráquea e, milênios mais tarde, por Greg Universe, o pai de Steven. Ela se torna então líder das Crystal Gems, um grupo que se rebela contra a autoridade de sua galáxia natal contra a dominação da Terra. Deste grupo faziam parte Pearl, Garnet e Amethyst.
Para poder conceber um fruto dessa relação com Greg, Rose Quartz abre mão de sua forma física e assim nasce Steven, com um corpo orgânico que carrega no lugar do seu umbigo a pedra essencial de sua mãe. Ele então é criado pelas três outras gems e seu pai, numa família não-tradicional, aprendendo a lidar com seus poderes e ainda ser humano.
O desenho foi criado por Rebecca Sugar e estreou em 2013. no Cartoon Network. conta com 5 temporadas, um filme e o que os criadores chamam de epílogo, chamado Steven Universe Future. O último episódio foi ao ar pela emissora no dia 27 de março de 2020.
Motivo #1: A representatividade existe, dentro e fora da tela.
Hoje em dia, existe uma urgência pra nos vermos representados de forma verossímil nas telas, e não mais por estereótipos.
O protagonista aqui é um menino que não está nos padrões de homens musculosos e fortes dos desenhos. Steven é pequenino e ostenta com muito amor uma barriguinha, assim como temos Amethyst, que também é gordinha. Garnet é alta e forte – além de ser associada à pele negra; Pearl é magrinha e esguia, entre outros vários tamanhos e formas que aparecem durante o desenho. Os corpos em Steven Universe são diversos e fazem com que você se sinta bem com a sua própria pele. Existe também a representatividade LGBTQI+, personagens não-binários, assexuais, traços mediterrâneos e asiáticos nos personagens, e até a própria família de Steven que é fora do comum, sendo criados por três figuras femininas maternais e um pai amoroso.
Além disso, a representação acontece fora das telas, com os dubladores. Dando as vozes originais para o desenho em inglês, temos mulheres, negros, asiáticos pessoas LGBTQI+ e até drag queens famosas. A própria criadora é uma pessoa não-binária, que em todo o seu trabalho no desenho exalta encoraja as pessoas a serem quem elas são.
Motivo #2: Trata de assuntos bem adultos.
Ao primeiro olhar, Steven Universe pode parecer um desenho bem simples, mas ao longo de suas temporadas tratam de assuntos bem maduros, com uma delicadeza e leveza que toca o coração.
Por exemplo, as fusões. As gems são capazes de se fundirem umas com as outras e tomarem novas formas e personalidades. Porém, essa decisão requer consentimento e amor entre ambas as partes pra acontecer e, caso ocorre de forma forçada, é tratado como uma violência – que gera uma associação livre com as relações íntimas. A proximidade da ideia com o ato sexual, inclusive, gerou censura das cenas de fusão em alguns países como Hong Kong, Oriente Médio, Rússia, Reino Unido, entre outros.
Além disso, a narrativa trata de assuntos como aceitação, amor, respeito, consentimento, limites, insegurança e medo. Nesse desenho, as noções e papéis de gênero são todos colocadas de lado. E no quarto episódio da quarta temporada (Mindful Education), temos um episódio lindo que fala sobre como lidar com ansiedade e retrata esse mal moderno com delicadeza e empatia.
Motivo #3: O tema principal é o amor.
E não tem como falar de Steven Universe sem falar sobre amor. Todo o desenho é sobre as formas mais diversas de se amar. A luta de Rose começa pelo amor que ela tem pela vida na Terra. Steven nasce fruto do amor entre Rose e Greg. É por amor à Rose que Pearl se rebela contra as Diamonds, as autoridades máximas de Homeworld. Amethyst luta pela Terra, lugar onde ela nasceu e que ela ama. Garnet é feita de amor, como ela mesma canta no episódio Jailbreak, último episódio da primeira temporada.
Steven, no entanto, é o símbolo maior desse amor. Ele é uma das gems mais poderosas de todas, não em força, mas pela sua empatia com os outros. Todas as gems são capazes de invocar armas de suas pedras essenciais, mas Steven invoca um escudo, que usa para defender quem ama. O menino sempre opta pela não-violência e acredita que há esperança mesmo para os vilões mais crueis.
Afinal, adulto pode assistir Steven Universe?
Já não é de hoje que desenhos não são feitos somente para crianças (Pixar tá aí para provar isso). Steven Universe é nessa pegada. Com temáticas profundas, subtextos elaborados, um trabalho primoroso de animação e musical, é pra fazer qualquer um se apaixonar pelas Crystal Gems e suas aventuras.
Sei que tem alguns grandões que não curtem musicais, então saibam que Steven Universe é um desenho com música. Muitas músicas. Mas cada uma delas é necessária e bem construída, já que a criadora da série também é responsável pela trilha sonora, e as canções fazem parte da narrativa – inclusive recomendo os mais apaixonados a pesquisarem sobre a construção musical ao redor de cada um dos personagens, é linda.
Não se assuste com a quantidade de episódios que as primeiras temporadas tem – a primeira temporada, por exemplo, tem 53, mas a última tem apenas 20. Os episódios no geral tem entre 10 a 15 minutos cada, com arcos narrativos que se bastam por si só, mas ainda te deixam com gostinho de quero mais.
E aos crescidos com coração mais resistente, entendam que o público alvo continuam sendo os pequenos. Apesar desses temas profundos, ainda contém alguns episódios fillers (que não tem muitos ganchos narrativos importantes), especialmente na primeira temporada. Contudo, se você tiver de coração aberto e puro como o de Steven, garanto que essa jornada é capaz de mudar a sua vida.