Literatura

Resenha | Confissões do Crematório: um livro para quem planeja morrer

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É com essa premissa que o leitor de Confissões do Crematório se depara logo na capa. Se você não planeja morrer um dia, largue este livro, ele não é para você. Ou seja, caso você não tenha aceitado o inevitável, Caitlin Doughty não pode te ajudar, certo? Errado. A jovem agente funerária guia o leitor por sua história com a morte através de uma narrativa baseada na crônica e mostra como nós precisamos construir uma nova relação com a mais inevitável etapa da vida.

Quando você pergunta para uma criança o que ela deseja ser quando crescer, é muito provável que ela não te responda que quer trabalhar em uma funerária. Não que Doughty sempre soube que trabalharia cremando pessoas, mas algo sempre a conectou fortemente com a morte. Em Confissões do Crematório, nós conhecemos o lado feio, o belo, o sagrado, nós viramos a morte ao avesso com a autora.

Cada capítulo explora um lado diferente da morte e da indústria construída no ocidente em torno dela. Por meio de suas experiências, Doughty nos apresenta casos de luto, culpa, estranhamento, sensibilidade, insensibilidade, entre outras reações tanto das famílias que chegavam a funerária, quanto dela e dos seus colegas de trabalho.

Tratar de temas polêmicos sempre requer um equilíbrio maior nas palavras. Colocar muito humor na morte pode deixar leitores ofendidos, assim como muita tristeza e seriedade pode ser outro motivo de abandono da leitura. Para nossa sorte, a autora trabalha a temática com maestria e defende seu ponto de vista, com a proporção certa desses dois lados. E como se essa travessia da corda bamba com perfeição não fosse o suficiente, Doughty nos apresenta inúmeros fatos históricos sobre a relação de diferentes povos e sociedades com a morte um tanto inimagináveis, mas com respaldo acadêmico – sem deixar a leitura chata, diga-se de passagem.

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Através desse despejo incrível de casos, experiências e da trajetória da autora, ela nos mostra como a morte precisa ser reavaliada na sociedade ocidental atual. Para nos mostrar como modificar o cenário contemporâneo, a jornada do livro é mais que necessária, é instrutiva, divertida e surpreendente. O realismo que permeia as páginas de Confissões do Crematório, que prometiam uma leitura cuidadosa e um tanto repulsiva – vide o tema – acabam fluindo incrivelmente bem e deixam a leitura prazerosa e viciante.

No meio de todo o trabalho, Doughty ainda apresenta os seus argumentos para essa mudança na indústria da morte e eles fazem você repensar em tudo o que já ouviu sobre ela. Fazem com que você abra os olhos e enxergue através do tabu, encontre a lógica e questione todo esse processo que, francamente, faz cada vez menos sentido a cada página virada no livro.

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A autora, depois de muita pesquisa acadêmica e de campo, resolveu compartilhar sua visão – antes do livro – e, como disse Raquel Moritz no encontro Darklove:”todo mundo pergunta se a gente vai lançar algum livro de booktuber, então!”. Caitlin Doughty posta vídeos comentando com humor e leveza sobre a morte e qualquer coisa relacionada a ela no canal Ask a Mortician. Além disso, ela desenvolveu o site The Order of The Good Death, que reúne uma comunidade que acredita na necessidade de repensar a indústria da morte atual.

Este livro é um estudo, um alerta e um tapa na cara da nossa cultua anti-tristeza e cheia de tabus para com a morte para qualquer pessoa que saiba ler. Essa sim é a condição que deveria estar na capa.

Ficha Técnica:

Título: Confissões do Crematório | Autora: Caitlin Doughty | Tradução: Regiane Winarski | Páginas: 256 | Editora: Darkside Books| ISBN-13: 9788594540003 | ISBN-10: 8594540000 | Ano: 2016 | Adicione ao: SkoobGoodreads

Apaixonada por música, cinema, moda e literatura, história mundial e andar de bicicleta. Sonha em ter muitos carimbos em seu passaporte.

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