Menina Má, de William March: o livro e o filme
Publicado originalmente em 1954, Menina Má foi um sucesso de vendas instantâneo. O autor, William March, no entanto, não teve a oportunidade de acompanhar a fama do livro por ter sofrido um ataque cardíaco no mês seguinte ao seu lançamento, deixando The Bad Seed – título original em inglês – como seu maior e último livro. A sensação com o público foi tanta que no mesmo ano a história da família Penmark virou peça na Broadway e, dois anos depois, foi adaptada ao cinema pela Warner Bros., recebendo quatro indicações ao Oscar. A história foi elogiada por inúmeros críticos ao redor do mundo e continua a ganhar admiradores mais de sessenta anos depois. A Darkside trouxe para nós a história da semente do mal em uma edição impecável, tão condizente com a história e com tanto cuidado que só faz a gente ter mais respeito por seu trabalho.
Em Menina Má, conhecemos Rhoda Penmark e sua mãe, Christine. Novas na cidade, as duas precisam começar do zero com Kenneth, pai e marido, respectivamente, fora do país a trabalho. Rhoda está em uma nova escola, que tem um ensino pra lá de tradicional e cheio de regras de etiqueta, o que para ela não é empecilho algum já que é extremamente organizada, madura e obediente. Tudo o que uma criança de oito anos não costuma ser. Ao sair para um piquenique com a escola, a vida da família vira de cabeça para baixo no momento em que descobrem que um afogamento ocorreu durante o passeio. A reação de Rhoda é o fato mais esquisito de toda a tragédia: a menina não ficou nem um pouco abalada, continuando com seu comportamento e hábitos normais. Essa situação deixou Christine muito preocupada e ela procura entender porque a menina reagiu daquela maneira.
Christine sabia que sua menina era diferente das demais crianças de oito anos, mas nunca pensaria que poderia cometer qualquer ato suspeito contra a vida de alguém. Até o fatídico piquenique. A partir daquele momento, Rhoda se torna uma incógnita aos olhos da mãe, que passa a mergulhar nos seus atos, em testemunhos de outras pessoas, em memórias e até mesmo em seu próprio passado. Tudo para entender melhor a filha. A sua principal motivação, no entanto, é a suspeita de que Rhoda mentira para ela sobre o que aconteceu no passeio escolar.
O thriller é moldado a partir de um terror psicológico que traz a tona um questão bastante explorada atualmente, mas que naquela época só estava emergindo: a psicopatia. A década de 1950 ficou conhecida pela popularidade de psiquiatras e evolução e estudos relacionados a psiquê humana. Explorar o tema dentro da literatura parecera um passo normal, que William March orquestrou incrivelmente bem. Durante toda a história, seguimos através de um narrador onisciente cada etapa da pesquisa de Christine, suas reações e seus duelos emocionais quanto ao que fazer com Rhoda e, ainda, sua máscara para lidar com estranhos. A maioria da narrativa permanece com a mãe no centro, a não ser em poucos momentos em que Rhoda conversa com Leroy, o zelador implicante do prédio em que moram que vê na menina uma igual, ou algumas conversas entre vizinhos. O acompanhamento do cotidiano da mãe foi uma escolha bastante razoável, apesar de achar que Rhoda poderia ter sido mais bem explorada.
As demais personagens são bem alocadas e desenvolvidas, sem extrapolar ou deixar algo a desejar, especialmente, Leroy, que enerva o leitor com suas implicâncias e covardia, e Monica Breedlove que, por sua vez, parece não se cansar de se meter na vida dos outros e inseri-los numa sessão psiquiátrica involuntária. Cada personagem é trabalhado em cima de alguns temas recorrentes em livros com teor psicológico mesmo que de maneira leve, como a relação dos irmãos vizinhos de Christine e a da mãe e o menino que morreu no afogamento. O ritmo de leitura é bom, com poucos momentos de prolongamento e dá as informações necessárias. O leitor é guiado sempre por um clima de tensão em que se questiona o que Rhoda aprontará na próxima página. A edição é impecável: a partir do momento em que você descobre as raízes da história e os fatos reveladores principais entende porque a capa é do jeito que é. Ela ainda levanta uma dúvida bastante recorrente sobre a psicopatia e a sua origem, muito bem abordada na história. Foi uma observação que precisei fazer e queria que vocês prestassem atenção.
Acompanhar a saga de Christine e a sua situação infernal é muito instigante e arrebata o leitor em um estilo de A Escolha de Sofia. Ela se questiona muito sobre o que fazer, sempre com medo do próximo passo da filha. Não é de se estranhar que Menina Má tenha se tornado um ícone sobre thrillers que envolvam psicopatia: o livro é muito bom. Embora o leitor de hoje possa achá-lo cheio de clichês, precisa lembrar que foi a partir dele que muitos dos outros trabalhos nasceram.
Sobre o filme:
A adaptação cinematográfica, dirigida por Mervyn Leroy, contou com quase o mesmo elenco da peça da Broadway em sua produção de 1956, com Nancy Kelly no papel de Christine e Patty McCormak no de Rhoda. Quando comecei assistir ao filme, pensei que veria um cpia e cola sem nenhuma maquiagem, mas acabei errada. O filme resgatou alguns pontos que o livro preferiu descartar, modificou alguns cenários e incrementou diálogos que não foram tão marcantes no livro. Compará-los não se resumo em certo ou errado uma vez que a essência da história permaneceu intocada. Isso aconteceu mesmo com a mudança do final. Sim, o final do livro – irônico e cheio de expectativa – se tornou algo mais leve e ao mesmo tempo macabro no filme. Ao meu ver, não desmereceu nem um pouco a obra. Um dos pontos que mais gostei do filme foi o maior equilíbrio dado aos personagens. E, um pequeno spoiler, a presença do pai de Christine em um momento da história que ele era o personagem que mais fez falta no livro. Em português, o título da obra é Tara Maldita (sim, horrível, eu sei) e é uma super indicação para quem gosta do gênero horror psicopata somado ao cinema antigo.
Ficha Técnica:
Título: Tara Malita | Diretor: Mervyn Leroy | Elenco principal: Patty McCormack, Nancy Kelly, Evelyn Varden, Eileen Heckart | Indicações ao Oscar: Melhor Atriz, Melhor Atriz Coadjuvante, Melhor Atriz Coadjuvante, Melhor Fotografia: Preto e Branco. | Ano: 1956 | Classificação: 4 estrelas | Adicionar ao: Filmow – Letterboxd