Dissecando Séries | Frontier: um misto de vingança e poder numa vastidão branca e sedenta
Me parece meio impossível negar que nós assistimos algumas obras por causa de certos atores ou atrizes. Constantemente, me pego descobrindo uma nova série ou um filme porque fulano de tal fez uma ponta ou era o protagonista. Desde que vi Game of Thrones, fiquei de olho em tudo o que Jason Momoa participava e foi assim que descobri Frontier na Netflix adicionei a série à minha lista.
Se em GoT ele cavalgava por desertos arenosos, todo poderoso como Khal Drogo, em Frontier Momoa é soterrado por uma vasta extensão de neve no Canadá colonial. Em busca de vingança pela morte da sua família, Declan Harp (Jason Momoa) se tornou um negociador de peles que fez a sua missão de vida competir com a Companhia da Baía Hudson, principal comercializadora de peles da colônia, e seu comandante Lorde Benton (Alun Armstrong), executor da ordem que dizimou a família de Harp e sua tribo. Para descobrir os segredos de Harp, Lorde Benton se aproveita de uma invasão em seu navio a caminho da colônia para conseguir um espião. O meio irlandês meio inglês Michael Smyth (Landon Liboiron) aparenta não ter escapatória e aceita o acordo que Benton propõe. Ele não contava, no entanto, que a vida de Harp poderia ser também a sua.
Apesar dessa sinopse um tanto centralista, Frontier é muito mais do que uma história de vingança e ambição em um negócio super lucrativo da época. O comércio de peles é um mero plano de fundo no meio de um contexto histórico complicado, cheio de conflitos étnicos e personagens interessantes.
Tribos locais x Homem branco
Apesar de, curiosamente, nosso imaginário sobre a cultura indígena tender a ser muito mais voltado para o índio norte-americano do que os próprios habitantes da América do sul, a representação dessa cultura causa estranheza e curiosidade instantaneamente na série. A relação entre as tribos e os colonizadores, contudo, segue o padrão de conflito e rivalidade que nós estamos acostumados.
Por um lado, a representação da caracterização e costumes das tribos configura verossimilhança à realidade da época de maneira bem eficaz, assim como as relações entre locais e colonizadores. Embora seja um ponto forte da trama, ao meu ver, poderia ser mais trabalhado. Ainda assim, é bem interessante assistir como eles lidam com as reações um do outro, que giram em torno de decisões políticas e de alianças bem díspares. Enquanto os ingleses visam o lucro e a dominação, as tribos buscam tranquilidade e solidificação do seu poder. Isso, no entanto, nem sempre funciona ou é aceito por todos. É aí que a parada fica séria (e infelizmente, mal desenvolvida; mas quem sabe na próxima temporada?).
Saindo da zona de conforto em 3, 2, 1…
Infelizmente ou felizmente, muito material para TV que chega por aqui vem direto dos Estados Unidos. É claro que uma boa parte dele é um conteúdo de primeira, com histórias comoventes e viciantes e alta qualidade técnica (alôu, Big Little Lies!). Entretanto, não podemos nos prender a uma nacionalidade e esquecer que há muitas outras produzindo séries incríveis pelo mundo (outro alôu para La Casa de Papel). Embora o Canadá faça divisa com o Tio Sam, já no primeiro episódio é bem fácil de perceber as diferenças entre uma produção estadunidense e uma canadense.
Frontier é uma parceria da Netflix com a Discovery Canada e já caminha para a terceira temporada. É uma série focada em um momento da história que pouco se assemelha ao nosso passado mesmo sendo um país colonizado por europeus. A relação de abandono e exploração continua como padrão, mas há uma sensação de falso patriotismo, um afinco pelas terras de Forte James, que parece, inclusive, ter de certa forma suas próprias leis. O comércio de peles é um catalisador para as maiores tramas, para a criação da cultura local e uma motivação para se viver cada dia, moldando o cotidiano do lugar e alimentando as desavenças, amizades, alianças e todo o drama.
Assistir essa série é como fazer uma viagem no tempo, abrindo mão do conhecido para explorar os graus negativos de Montreal e região. É uma oportunidade de conhecer uma nova cultura, uma nova versão – ainda que de leve – de uma colonização e aprender sobre uma parte da história que não nos é ensinada nas escolas. E, de quebra, acompanhar a trajetória de personagens instigantes e fortes, ambiciosos e determinados – tenham eles recursos ou não para isso.
As mulheres de Frontier
Uma coisa me incomodou: o elenco da série é majoritariamente masculino. Harp, Lorde Benton, Michael Smyth, os três irmãos Brown, Capitão Chesterfield, Samuel Grant e outros mais se opõem a apenas seis personagens femininas das quais apenas três tem mais destaque nas duas temporadas da série. Pois se elas não ganham destaque suficiente em telas vamos pelo menos falar sobre essas mulheres por aqui. Minha personagem favorita, Grace Emberly (Zoe Boyle), é dona de um bar em Forte James, quer expandir seus negócios para o comércio de peles, protege os mais fracos e – o absurdo da época – usa calças. Ela é determinada, apaixonada, leal e ambiciosa. Além disso, merece aplausos de pé pela coragem de encarar todo e qualquer homem que vá contra sua vontade ou ameace sua segurança e a de seus amigos. Ela sempre tem um jeito para tudo, mas não pense que suas ações são simples e destemidas. O medo é o melhor amigo de Grace, porém dificilmente a para.
Outra personagem feminina marcante é Sokanon (Jessica Matten), uma indígena aliada a Declan Harp e praticamente a única que restou de sua família. Sokanon é talentosa e extremamente leal, até mesmo quando aqueles quebram essa lealdade, ela é quem os traz de volta à realidade. Uma personagem essencial que precisa aparecer mais. Por último, vamos falar sobre Elizabeth Carruthers (Katie McGrath), a viúva de um dos maiores comerciantes de pele que quer chefiar a companhia de seu falecido marido, mas não ganha o respeito suficiente por ser mulher. Ela mostrará que pode sim comandar um negócio sem um homem, ou com alguém que seja uma fachada, e se tornará uma forte concorrente. Ela é firme, charmosa, ambiciosa e objetiva. Sem papas na língua, mas sem perder a classe, Elizabeth tira muita gente do sério e ganha vários inimigos.
As mulheres são um ponto forte em Frontier. Sejam protagonistas, sejam pontas, cada uma confere a série mais valor e complexidade, enquanto os personagens masculinos são pouco profundos, ainda que interessantes.
Frontier está gravando sua terceira temporada que, se seguir neste ritmo, terá cerca de seis episódios. A história de Declan Harp está prestes a tomar caminhos tortuosos e Forte James e Montreal podem não resistir a isso. Esta é uma série perfeita para quem gostou do filme que finalmente deu a Leonardo DiCaprio um Oscar, O Regresso, ou para aqueles que veem em Pocahontas seu desenho favorito, mas cresceram é querem algo mais maduro. Além, é claro, de ser outro ótimo meio de acompanhar Jason Momoa – como eu estou fazendo.