Literatura,  Resenhas

‘Eleanor Oliphant Está Muito Bem’, obrigada. Só que não.

Uma das coisas que eu acho mais lindas nessa vida são as estantes gringas do Instagram, cheias daqueles livros grossos de capa dura. Fico seguindo as hashtags literárias, me apaixonando mais e mais por elas a cada nova foto. Mas o fato é que nós não vivemos lá – e as nossas edições são, no final das contas, muito melhores – e o preço para trazê-las para cá é fora da realidade. Por isso, quando me deparei com um deles por meros trinta reais na livraria não resisti e, logo após ter me interessado pela sinopse, trouxe para casa. Afinal, eu tinha me prometido que leria algo em inglês neste ano, né? Foi o destino que trouxe Eleanor Oliphant is Completely Fine para a minha estante brazuca. 

Na Escócia contemporânea, Eleanor Oliphant trabalha em um escritório de design. O que vem a sua mente quando digo isso? Um estilo geek hypado, um escritório minimalista, cheios de iMacs, não é? Ela, no entanto, não está na sua visão. Eleanor trabalha na parte burocrática há nove anos, escondida atrás de um computador antiquado, de um vestuário modesto e fora de moda e uma atitude propositalmente esquecível. Ela manteve a mesma rotina durante todo esse período, indo aos mesmos locais próximos de casa nos mesmos dias da semana, comendo as mesmas comidas e dormindo em companhia da sua melhor amiga: a vodka.

Detalhe de Eleanor Oliphant

Além disso, Eleanor não é uma pessoa sociável. Seus dias começam e terminam evitando contatos minimamente mais profundos com outras pessoas, seguindo o lema de Balu: o necessário, somente o necessário; o extraordinário é demais. A solidão, portanto, é uma escolha quase que imposta. A invisibilidade parece vir como dama de companhia. E, dessa forma, Eleanor se convence de que ela está muito bem, obrigada. Como a vida é cheia de imprevistos, seus hábitos precisarão mudar completamente quando, em uma tentativa ocasional de ser mais espontânea, ela vai a um show em um pub e se apaixona pelo vocalista da banda. Além disso, ela é “forçada” a interagir com mais pessoas quando um senhor de idade se acidenta na sua frente e ela o ajuda junto a um colega de trabalho. Dois impactos, duas oportunidades que guiarão nossa protagonista a uma mudança de vida.

Nós acompanhamos esta história sob a perspectiva, melhor ainda, sob a voz de Eleanor. Com um jeito de falar super formal, a jovem nos dá uma história com um humor ácido que oscila entre a piada proposital e as situações sociais que não são justificáveis ou compreensíveis para Eleanor. Ao mesmo tempo, seu modo de agir e pensar faz o leitor questionar alguns costumes da sociedade em que vivemos, assim como pré-conceitos em que tanto nos apoiamos. Não é difícil de perceber que a praticidade que tanto defende e a dificuldade de se socializar são sintomas, ou talvez defesas, para algum segredo trágico de seu passado.

“There are scars on my heart, just as thick, as disfiguring as those on my face. I know they’re there. I hope some undamaged tissue remains, a patch through which love can come in and flow out. I hope.” – Eleanor Oliphant (Gail Honeyman)

Questões muito pesadas e sofridas são abordadas neste livro. Entre elas estão abuso infantil, violência doméstica, estupro e algumas outras que podem servir de gatilho para alguns leitores. Gail Honeyman aborda tais temas com talento, misturando memórias em meio ao dia a dia da protagonista – por isso, não aconselho a leitura dinâmica, você pode perder informações importantes! Para entender Eleanor, você precisa acompanhá-la linha por linha, senti-la a cada passo em frente, a cada crise e perceber que a narrativa do livro é como um quebra-cabeças: para montá-lo você precisa de atenção e ele te surpreende até às últimas peças.

Nós estamos o tempo todo com Eleanor e, apesar de sua voz ser um pouco cansativa, foi um quase impossível para mim desgostar dela. Algo na personagem nos faz sentir compaixão e pouco a pouco começamos a torcer por ela, comemorando cada passo fora do seu quadrado, da sua prisão, e sofrendo com cada vez em que os limites dele diminuíram. Ela é uma mulher com cicatrizes, real, humana e a autora soube construí-la exatamente dessa forma, sem cair no clichê da princesa que precisa ser salva após sofrer um trauma. Eleanor decide ser da forma que puder dona do seu próprio nariz, achando a situação mais confortável possível, mesmo que internamente esteja em cacos sem nem mesmo perceber.

Eleanor Oliphant está Muito Bem é o tipo de livro que pode ser difícil para ler, mas a experiência é impactante. É de uma sensibilidade impressionante e sem muitas papas na língua. É cru, imperfeito e verdadeiro. Uma leitura sensacional para qualquer pessoa que se interesse por histórias ligadas a psiquê humana. Se tornou um dos meus livros favoritos do ano. Da primeira à última página, Eleanor Oliphant me mostrou que é preciso lembrar que nem sempre quem se mostra tão estável não precisa de uma ajuda, uma gentileza, uma atenção. Afinal, ela pode estar muito bem, obrigada. Só que não.

Informações Técnicas de Eleanor Oliphant

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Apaixonada por música, cinema, moda e literatura, história mundial e andar de bicicleta. Sonha em ter muitos carimbos em seu passaporte.

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