Ecos, de Pam Múñoz Ryan | Ecos
Algumas histórias são especiais. Alguns livros chegam de maneira despretensiosa e, devagarinho, página a página, ganham espaço nos nossos corações. Eu particularmente adoro quando isso acontece. Às vezes, começo um livro com baixas expectativas – confesso que muitas dessas vezes o livro não me conquista por um bom pedaço da leitura – e o termino abraçando-o. Ecos foi mais um exemplo do livro despretensioso. A história de como a música pode mover montanhas intrínsecas me ganhou de verdade em seu final. Dessa vez, acho até que foi bastante compreensível e me arrisco dizer que você também achará.
Vidas que se cruzam
Ecos tem quatro núcleos e, de certa forma, quatro protagonistas. Nós começamos com o menino Otto ainda no século XIX, perdido na floresta e encontrando três princesas abandonadas. Aprisionadas por uma bruxa, elas decidem morar na gaita do menino alemão até ele encontrar uma forma de libertá-las. Avançamos para 1935, ainda na Alemanha, onde conhecemos o pequeno Friedrich Schmidt, um maestro nato que além de apaixonado pela música também nasceu com uma mancha grande em uma das suas bochechas. Seu pai, ex-violoncelista da Filamôrnica de Berlim, professor de música e recém-aposentado da fábrica de gaitas, o protege e alimenta sua paixão pela música, em especial a nova gaita de Fredrich. Uma confusão entre novas e antigas crenças põe a família em cheque.
Pulamos para os Estados Unidos, Filadélfia, 1935. Mike e Frankie vivem em um orfanato depois que sua avó faleceu. Os meninos não sabem o que o futuro lhes aguarda, mas prometem e lutam para ficarem juntos. As ameaças da precária segurança que eles tem no orfanato chegam fortes a todo tempo. Contudo, uma repentina oportunidade de adoção aparece e os meninos ganham uma nova vida. Só que não esperavam o quão fugidia ela poderia ser. Por fim, chegamos a 1942, na California. Ivy Lopez está muito feliz porque vai se apresentar com sua gaita e sua turma da escola na rádio local. Ela vive uma vida modesta, mas alegre com seus pais e sua melhor amiga – a única coisa que falta para que seja perfeita é seu irmão voltar da guerra. O mundo da menina desaba quando seus pais anunciam que se mudarão de Fresno para tomar conta de uma fazenda, uma chance de um futuro mais garantido e cheio de oportunidades.
Ecos é brilhantemente interligado
As quatro histórias deste realismo com pitadas de contos de fadas se interrompem no clímax para partir nossos corações. Nós deixamos Fredrich cara a cara com perigos, Mike e Frankie com decisões complicadas a tomar, Ivy com seu coração na mão. Quando estamos atados aos personagens, preocupados com seus destinos, a história se interrompe, nos deixando super curiosos, e inicia-se outra. É um tipo de leitura diferente, que me lembrou a um livro que uma professora mostrou na faculdade: Museu do Romance da Eterna, de Macedonio Fernández. Ele era composto por várias mini introduções que deixavam no ar infinitas possibilidades de história e no chão vários leitores mais imaginativos, duelando com a nossa necessidade de prever alguma coisa, saber que em algum ponto ganharemos um final. Esse é um dos pontos mais fortes dos Ecos: uma experiência de leitura inovadora. Preciso reconhecer que ela quase deu errado para mim, gosto de me apegar aos personagens e suas tramas, mas o final é recompensador.
“Os corações estão feridos. Indivíduos que costumavam ser amigos não são mais. Vizinhos não são vizinhos. Durante uma guerra, as pessoas acham que precisam escolher um lado e jogar a culpa no outro. Os corações ficam menores.”
O ambiente histórico é um dos chamarizes também. O cenário mundial no período entre guerras e durante elas costuma ser uma questão poderosa para muitas obras e aqui não foi diferente. A viagem no tempo de Ecos enriquece cada núcleo do enredo e as guerras são um pano de fundo comovente. Elas não são a única coisa que importa. Nossos protagonistas, tão jovens, recheiam a história com bravura e delicadeza, determinação e encantamento. Definitivamente você irá se apaixonar por eles – eu não consegui escolher um favorito. A ternura e coragem com as quais eles lidam os momentos difíceis fazem deles personagens incríveis! É bonito de se ver ♥
O ritmo de leitura para Ecos é algo peculiar, por isso não posso afirmar para vocês se é uma leitura rápida ou não. O narrador, porém, não é rebuscado, o vocabulário é bem tranquilo, como quase a mentalidade de uma criança, só que um pouquinho mais elaborada. Ecos pode não ser perfeito, mas é com toda certeza uma leitura especial. Obviamente tinha que indicar para vocês.