Filmes,  Pega a Pipoca

Pega a pipoca | A Bruxa: a sutileza dentro do terror

Todo amante de filme de terror sabe que é difícil encontrar um bom filme do gênero. O filme “A Bruxa”, lançado em 2016, dividiu opiniões, do tipo ou você ama, ou você odeia. Se você quer levar sustos, sinto muito, esse não é o filme. Particularmente, eu sou do tipo que amei “A Bruxa” e o nível de informações contida num simples filme é a parte assustadora de verdade.

Estamos nos Estados Unidos do século 17, que, então, era chamado de Nova Inglaterra. A história segue uma família expulsa de um assentamento (que seria um tipo de agrupamento de pessoas, como a origem de vilas e cidades) por ter divergências religiosas. O pai e marido, chefe de família, discordou da posição religiosa de seus superiores, e acabou exilado com a esposa e seus quatro filhos: uma menina adolescente, um menino de cerca de doze anos, um casal de gêmeos e um bebê. Eles encontram uma terra para viver que fica ao lado de uma grande e misteriosa floresta, na qual a mãe proíbe a entrada de todos. Logo no início do filme, o bebê é roubado debaixo da guarda de Thomassim, a irmã mais velha, e é o começo de todas as coisas estranhas que rondam a floresta.

A partir desse momento, Thomassim se torna o centro da raiva crescente de uma mãe em luto. E não só isso, mas ela também é acusada de diversos jeitos por estar no lugar errado, na hora errada e por ser mulher. Sim, senhoras e senhores, se alguém sente desejo por Thomassim é porque ela é muito sensual; se alguma coisa some de casa, é porque ela foi descuidada ao limpar. É um bom exemplo de como a mulher era vista e tratada na época (e hoje também), em especial quando coisas ruins aconteciam e a culpa precisava recair sobre alguém.

Há diversos tipos de interpretação dentro desse filme, pois o importante para o diretor não era assustar com a cara feia de uma bruxa. A bruxa é descabelada? É feia? É miserável? Nada disso importa. Como a floresta, ela existe e é como se fosse uma força da natureza. O que o diretor mostra são as relações da família se deteriorando por conta de preconceitos e estereótipos construídos da época. Assistir as reações dos personagens era mais importante para trama e para a reação do espectador do que propriamente saber o que estava lhes assustando.

Um predecessor que fez isso muito bem foi “A Bruxa de Blair” em seu filme tipo documentário. Porém “A Bruxa” mantém uma trilha sonora que cria o ambiente de terror junto com os tons terrosos e sóbrios, e foca na reação dos personagens. O filme te mostra também o que está ocorrendo ao redor deles, diferente de “A Bruxa de Blair” , mas não é o objetivo deles. O cenário apenas faz parte do terror, o que importa mesmo é o a podridão do ser humano nesse filme.

Desde o início do filme, fica clara a leitura da realidade dos personagens: todos os aspectos cotidianos são relacionados à religião. Todos os infortúnios são vistos como provações de Deus, todas as coisas boas como bençãos do Senhor. Inclusive, eles acreditam fielmente que são pecadores independente do que façam, e que o melhor é viver no paraíso, mesmo sem ter a certeza da salvação. Aparentemente são calvinistas, mas não é explicitado durante o filme.

É interessante notar que a parte histórica do filme agrada e muito porque conseguimos entender a origem dos mitos da bruxa de nariz pontudo que usa a vassoura para se locomover e também, por exemplo, de João e Maria. Um detalhe que trás mais verossimilhança é que os personagens falam usando um inglês mais antigo, chamado de inglês arcaico. É uma ​linguagem mais formal e contém pronúncias e pronomes diferentes dos usados hoje em dia no inglês atual. Esses cuidados deixam o filme mais interessante graças à essa relação com a realidade da época e, inclusive, qual pode ser o fundo de verdade dentro da ficção.

Por fim, “A Bruxa” é um filme feito com muita qualidade e, para mim, um marco no gênero de terror por ser um filme sutil. É historicamente correto, a trama é crível e o importante aqui não é dar susto.  A sensação do final do filme é angustiante e não é um tipo de filme que é facilmente esquecido.

Amante de livros e cinéfila de botequim.

Deixe uma resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *