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Dissecando Séries | Bates Motel – para além da psicose

 

Pense em cenas icônicas do cinema.

Pensou? Não leio mentes, mas são grandes as chances de esta célebre cena estar na sua lista: Norman Bates, através de uma cortina, vê uma moça tomando banho e, em seguida, esfaqueia-a. É quase impossível, também, não associar essa imagem à sonoridade que a acompanha – aquele som capaz de causar calafrios em alguns inconscientes. Se, por algum motivo, não sabe do que falo, relembre aqui. Mas aviso: não me responsabilizo por pesadelos.

A memorável sequência faz parte do filme Psicose (1960), dirigido por ninguém menos que Alfred Hitchcock, o gênio do terror, que foi, na verdade, baseado no livro homônimo de Robert Bloch. Como se não tivesse desestabilizado psicológicos o suficiente, a história, em 2013, ganhou nova adaptação – agora, em forma de série -, mas com uma proposta bastante interessante. Bates Motel funciona como prólogo para Psicose, mostrando a adolescência de Norman Bates e a evolução de seu transtorno dissociativo de identidade. Não vamos revelar spoilers, fique tranquilo.

Exibida pelo canal A&E, nos Estados Unidos, e pelo Universal Channel, no Brasil, Bates Motel tem 10 episódios, de aproximadamente 43 minutos, a cada temporada. Atualmente, a série está em sua 5ª temporada, que será a última, já que, em algum momento, o enredo chegaria ao ponto de união com o filme de Hitchcock.

Somos apresentados a Norman Bates (Freddie Highmore) e sua mãe Norma (Vera Farmiga), que, após a trágica morte do pai de Norman, compram um motel à beira da estrada e mudam para a cidade fictícia de White Pine Bay, no Oregon. Afinal, todos temos direito a um recomeço, né? Logo no início, vemos o começo da amizade entre o adolescente e Bradley Martin (Nicola Petz), que saem para passear pela cidade enquanto o antigo dono do motel resolve visitar Norma. As coisas saem do controle: mãe e filho acabam com um corpo para esconder. Detalhe: tudo isso no primeiro episódio. A partir daí, conhecemos diversos personagens, como o xerife Romero (Nestor Carbonell), a doce Emma Decody (Olivia Cooke) – amiga de Norman que tem fibrose cística, doença hereditária e sem cura – e Dylan Massett (Max Thieriot), o meio-irmão do jovem Bates.

Enquanto a família tenta se livrar desse problema inicial, Norman encontra um caderno com ilustrações de mulheres asiáticas amarradas e em posições eróticas, e é revelado que a renda de White Pine Bay envolve tráfico de drogas e prostituição. Além disso, descobrimos que o Norman tem apagões momentâneos: em determinadas situações, ele faz ou fala coisas das quais não se lembra. Guarde isso, pois é um dos pontos centrais da trama.

“Somos você e eu. Sempre fomos. Pertencemos um ao outro”.

Bates Motel dá um contexto para as personagens originais de Psicose ao passo que explora um passado novo à vida de Norman Bates – cuja criação foi inspirada no homicida Ed Gein – antes que ele se tornasse o assassino que conhecemos. É interessante ver a relação que o adolescente mantém com sua mãe: em um relacionamento que beira o incesto, Norma dita as regras com seu jeito manipulador e perfeccionista, fazendo tudo (mesmo!) para proteger seu filho. O modo repressor e abusivo com que ela cria seu filho em relação à sexualidade pode, psicologicamente, ser um gatilho para o transtorno dissociativo que ele enfrenta: não é à toa que, quando mata suas vítimas, o faz sob a personalidade da mãe, em repulsa à suposta vulgaridade das mulheres com que Norman se relaciona.

A transição de identidade de Norman a “Mother” é um ponto extremamente bem construído na série. Ao longo das temporadas, o enredo nos presenteia com tramas entrelaçadas de tal forma que percebemos, dos apagões às memórias lúcidas, Norman aglutinar a personalidade da mãe, assumindo, inclusive, suas roupas e seu modo de falar. O enredo é tão bem desenvolvido que, claro, faz surgir algumas questões na mente do espectador, principalmente em certos diálogos mãe-filho que mais parecem ser filho-filho: até que ponto o que vemos é real? como saber se Norman não é a mãe desde a primeira cena? será que Dylan também é uma personalidade criada por Bates? como os produtores farão a série chegar à história que conhecemos no filme Psicose?

Não sou eu; sou vários

A profissão de ator já é um exercício contínuo de transformação em outra pessoa, de encarnar e construir personalidades, expressões e pensamentos. Entretanto, Freddie Highmore não faz apenas isso: ele, além de interpretar mera personagem, consegue reproduzir brilhantemente os olhares sombrios de Anthony Perkins, o Bates de Psicose. Quando a cabeça do jovem abaixa e seus olhos encaram a tela, já sentimos o cheirinho de morte à frente. Como se isso não fosse suficiente, Highmore ainda incorpora outros trejeitos: os de Norma – enquanto dona de casa amável que cozinha para os filhos – e os da “Mother”, personalidade que induz o filho a matar como forma de preservar a relação “exclusiva e íntima” WHAT?! entre eles.

Freddie conseguiu, com maestria, abandonar seu status de ator mirim (sim, ele interpretou o menininho Charlie, na readaptação de A Fantástica Fábrica de Chocolate), mergulhando de cabeça no papel de Norman. As cenas em que ele sofre apagões são assustadoras, assim como seus sorrisos macabros. Suas expressões corporal, como se estivesse inseguro dentro de próprio corpo, e facial, demonstrando toda a confusão mental que existe dentro da personagem, são dignas de um talento inigualável e só melhoram com o passar das temporadas.

Vera Farmiga também merece destaque. A atriz já é conhecida por sua boa atuação, mas não para de surpreender a cada cena. Nos momentos mais dramáticos, conseguimos sentir a dor que Norma parece estar sentindo ao se ver incapaz de resolver seus problemas e de falhar em proteger os filhos. A atriz também brilha nos momentos mais engraçados, garantindo boas risadas ao público – atenção para os diálogos entre Norma e o xerife Romero; a química entre os dois é inegável, mas a tentativa de se repelirem é cômica.

Semelhanças ambientadas no século XXI

O filme Psicose é de 1960, e, para manter a linearidade com o enredo, os produtores de Bates Motel resgataram detalhes originais, como uma réplica exata do motel e um figurino mais vintage. Nos primeiros minutos da série, o público tem a impressão de que está assistindo a uma história de época, graças aos vestidos rodados de Norma, às calças sociais de Norman, ao corte de cabelo dos dois, ao carro antigo, à casa e ao motel. O mesmo ocorre com a fotografia dos episódios, que traz tons pastéis e cores frias para as telas. A ambientação volta-se os anos 2000 quando o primeiro iPhone aparece. Considero que esses detalhes foram mais um acerto que une o roteiro original aos tempos modernos, o que acaba deixando a produção com um tom de atemporalidade.

Bates Motel é uma daquelas séries dignas de maratona em um fim de semana. Por mais que o desfecho de Norman e Norma seja conhecido, os episódios prendem o espectador do início ao fim, na medida em que, mesmo repletos de acontecimentos novos, não são maçantes ou confusos. A única confusão é aquela em que nosso cérebro se encontra ao tentar, frustradamente, antecipar os mistérios e as conexões da trama. Mas o nome disso é outro: roteiro assombroso – em qualquer conotação permitida. Agora, cabe a você decidir se a família Bates terá uma chance de viver no seu (in)consciente.

Em universos paralelos, Débora é médica, comissária de bordo, diplomata, cantora e atriz, mas, no planeta Terra, tenta entender a vida e viajar pelo mundo. É formada em Letras, mas também estudante de Jornalismo. Rainha das escolhas erradas e dos memes certos. Uma sagitariana cujo ascendente em gêmeos faz com que ela avalie o pró e o contra de cada detalhe, pensando dez passos à frente, mas decidindo dez passos atrás. Reconhece qualquer música que conheça pelos primeiros acordes, tem uma relação de amor e ódio com Shonda Rhimes, não gosta de café. Ah, mantém um relacionamento sério com o Adam Brody, apesar de ele (ainda) não saber disso.

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