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Dissecando Séries | Smash – estrelas são feitas de histórias

 

Em tempos de “La la land” sendo glorificado mundo a fora, os musicais ressurgem – se é que, algum dia, foram esquecidos –, e inúmeros são os nomes que vêm à cabeça, como Moulin Rouge, WickedCantando na chuva, O fantasma da ópera, Cats, Hair, Funny Girl, Chicago, A noviça rebelde – só para mencionar alguns. Mas engana-se quem pensa que o universo da Broadway fica restrito às grandes telas de cinema ou aos palcos de Nova York: como esquecer das séries?

Um musical sobre Marilyn Monroe parece uma boa ideia, não é? É assim que surge o contexto de Smash: uma mera sugestão é tudo o que Julia Houston (Debra Messing <3) e Tom Levitt (Christian Borle), parceria de sucesso inegável no universo teatral, precisam para dar vida a Bombshell. O problema é que um espetáculo não é feito apenas de ideias; é preciso de dinheiro, roteiro, músicas, coreografias, direção, produção, elenco e aprovação da crítica e do público – tudo isso, claro, cumprindo prazos. Ufa!

Após um divórcio complicado, Eileen Rand (Anjelica Huston – sim, a Mortícia Addams!) procura a dupla Houston-Levitt e assume a produção de Bombshell; agora, ela “só” precisa de financiamento, já que sua produtora está congelada na justiça graças a seu ex-marido, o também produtor Jerry Rand (Michael Cristofer). A direção do espetáculo, assim como a coreografia, fica sob responsabilidade do prestigiado, mas mulherengo e prepotente Derek Wills (Jack Davenport).

Na outra ponta do processo criativo, temos Ivy Lynn (Megan Hilty), que, desde pequena, vive no mundo do teatro, pois sua mãe é uma famosa atriz, e Karen Cartwright (Katharine McPhee – sim, do American Idol!), que é iniciante no mundo da Broadway e sonha, como muitos, em conseguir seu primeiro papel relevante. As duas disputam a vaga de protagonista para interpretar um dos maiores ícones do cinema mundial.

Além de cada personagem precisar lidar com sua vida pessoal desmoronando, também é necessário fazer escolhas e concessões nos bastidores da peça para levá-la à Broadway: afinal, o show tem de continuar. Essa é Smash, aposta mais promissora da rede NBC para 2012. Com produção executiva de Steven Spielberg (isso mesmo!), o conceito original era bastante ambicioso: a cada temporada, acompanharíamos a produção de um novo musical; os espetáculos, depois de produzidos, seriam levados para os palcos reais da Broadway e poderiam ser assistidos por qualquer pagante. WHAAAAAT?! Eu disse: ambicioso. Apesar de, em 2015, os executivos Robert Greenblatt (NBC Entertainment) e Jimmy Horowitz (Universal Pictures) confirmarem a adaptação, nada foi efetivamente feito até agora. 🙁

Mas chega de bastidores: vamos ao palco.

Embora, infelizmente, tenha durado apenas duas temporadas antes do cancelamento, Smash é uma série de acertos que começam já no primeiro episódio. O piloto é bastante dinâmico, mas de um modo em que apresenta extremamente bem as personagens, sem atropelamentos de enredo. Julia é intuitiva, determinada e não consegue ficar longe do trabalho – ela tenta conciliar um processo de adoção e a escrita de seu novo projeto, mesmo contra a vontade do marido. Eileen sabe o que quer e não tem medo de se arriscar por uma ideia na qual acredita. Tom é teimoso, mas dono de um grande coração, principalmente quando o assunto é a amizade. Ivy quer ser uma estrela e faria tudo por isso, mas, na verdade, seu empenho esconde fragilidade e insegurança – ao contrário de Karen, cujas vulnerabilidade e ingenuidade são visíveis, porém cativantes. E temos Derek, um dos meus favoritos: um tanto narcisista e muito charmoso, o diretor britânico esconde sua solidão ao dar o máximo de si no trabalho impecável que faz – e dormindo com (quase) toda atriz que passa por seu caminho. Ah, também há Ellis, o assistente malvado. Essa é toda a apresentação que ele merece. Sério.

Menos é mais

O roteiro deixa um pouco a desejar no fim da primeira temporada e no início da segunda, principalmente quando insiste em inserir participações especiais excessivas. Como tentativa de recuperar e atrair público, os produtores executivos de Smash trouxeram nomes como Nick Jonas, Uma Thurman, Jennifer Hudson, Liza Minnelli e a banda OneRepublic para a série, o que prejudicou um pouco o andamento dos episódios por desenvolver arcos que, em vez de contribuírem à trama, dão a impressão de que só estão ali para completar os 45 minutos de duração.

No entanto, de modo geral, o roteiro de Smash é bem executado, até mesmo ao abordar clichês inevitáveis do showbiz, como o famoso “teste do sofá” entre atores que desejam um papel e pessoas com cargo superior que podem dá-lo (alô, alô, Derek Wills). Outro ponto de destaque é que o roteiro também evita ser maniqueísta: a perspectiva de quem é mocinho ou vilão é constantemente desconstruída, pois a série explora nuances que conectam decisões e ações a contextos. Se, em um episódio, odiamos os caprichos de Ivy ao cortar, aos poucos, a participação de Karen no musical, estamos odiando o egocentrismo de Karen no episódio seguinte. Sem mencionar, claro, o restante das personagens, que igualmente oscilam entre o “bem” e o “mal”. Afinal, isso é o que nos faz humanos, não é?

Bombshell x Hit List: amigas e rivais

O fim da primeira temporada deixa vários destinos em aberto, incluindo o da própria produção de Bombshell. Enquanto tudo e todos lutam para seguir em frente, Karen encontra os desconhecidos Jimmy Collins (Jeremy Jordan) e Kyle Bishop (Andy Mientus), que estão tentando produzir um musical – meio rock contemporâneo casual – por conta própria. É assim que nasce o maior rival de Bombshell: o espetáculo Hit List. Com a competição, novas personagens surgem, e as já conhecidas mostram facetas ainda mais interessantes.

Karen prova ter o que é necessário e aprende a lutar pelo que/por quem realmente quer. Aos poucos, também aprende a se defender e reagir à altura das críticas de quem (ainda) não acredita nela. Ivy, por sua vez, aprende com seus erros e torna-se mais humilde. Ela percebe que, por mais que ame um projeto, não pode fazer de sua vida o espelho da ficção. A parceria inviolável de Julia e Tom fica ameaçada quando questões pessoais e outras parcerias profissionais entram em jogo, o que desperta nos telespectadores certa vontade de bater a cabeça dos dois para perceberem o quão boba sua briga é. Ok, talvez seja uma vontade só minha.  Eileen continua tentando contornar todos os empecilhos que seu ex-marido põe no caminho de Bombshell  – com o auxílio, claro, de algumas bebidas.

     

Derek, em determinado ponto, é forçado a enfrentar as consequências de seu comportamento mulherengo. Sua fama de dormir com cada atriz de suas peças atinge a mídia, e ele passa a ser rejeitado por praticamente todos os produtores teatrais. Em contrapartida, a relação amorosa dele com Ivy fica mais distante à medida que ela se envolve com a encenação de outro papel e Derek se aproxima de Karen, sua musa. Ainda que Cartwills não seja exatamente um casal, é bem interessante ver a confiança entre os dois e o amadurecimento da amizade crescerem. #TeamCartWills4everSorryNotSorry  Derek pode não saber demonstrar afeto, já que está acostumado com o interesse de terceiros apenas por desejarem vantagens profissionais, mas a relação dele com Ivy e Karen revela que, na verdade, há, sim, um coração escondido debaixo das atitudes indiferentes.

          

Memórias auditivas

Os números musicais merecem ser aplaudidos de pé. Em montagens incríveis, as cenas mesclam ensaios e testes com flashes da visão ou imaginação dos envolvidos sobre a versão final do projeto, com figurino e cenário. Há, também, performances em situações clássicas de musicais: o elenco canta em momentos rotineiros, como andando em plena Times Square, mas tudo é feito de um modo tão orgânico que, inclusive, os transeuntes que estão ao redor dos atores encaram-nos, como se falassem “Quem essa gente aleatória acha que é para cantar, do nada, no meio da rua? Eu, hein. Estranhos!”. Risos.

Vale mencionar que a trilha da série é composta por 85% de músicas inéditas, o que torna as montagens ainda mais especiais. Os compositores são bem felizes nas melodias e nas letras. Estas, inclusive, conseguem ser geniais em momentos-chave da série. A última performance é um dos destaques: em “Big Finish”, somos presenteados com uma letra perfeitamente subliminar para o desfecho da série. “Basta dar às pessoas um grande final que as deixe querendo mais. Se você for bom no fim, elas vão perdoar e esquecer o que veio antes. Apesar de a história ter acabado, continuaremos sonhando. Aonde estamos indo? O show acabou”. 

As canções de Bombshell são voltadas para, obviamente, a vida Marilyn. Elas conseguem passar extremamente bem sua mensagem, mas, ao mesmo tempo, são capazes de proporcionar um grande momento de catarse ao público. Não se espante se acabar com lágrimas nos olhos em algumas mais emocionais, principalmente em “Let Me Be Your Star”, “Don’t Forget Me” e “Second Hand White Baby Grand”.

A trilha de Hit List, por outro lado, é mais contemporânea, já que o próprio musical segue por esse caminho. As músicas são um pouco mais pop, mas isso não ofusca as letras igualmente carregadas de emoção. Minhas paixões são “Original”, “Broadway, Here I Come”, “Caught in the Storm”, “Reach For You” e “Rewrite This Story”.

Os outros 15% são compostos por covers que abrilhantam ainda mais as cenas, encaixando-se perfeitamente ao contexto – “Vienna”, “Bittersweet Symphony”, “Beautiful”, “Somewhere Over the Rainbow” e “Haven’t Met You Yet” são algumas das interpretações. Destaco “Under Pressure” (Queen e David Bowie), que também faz parte do último episódio da série. Não há nada nessa sequência que seja ruim ou esteja mal encaixado. As vozes, o enquadramento, as expressões e o contexto farão com que seja inevitável sair cantarolando a versão por aí. 

Sob pressão: do auge à queda

Muitas são as especulações sobre o que fez uma gigante como Smash ser cancelada após somente duas temporadas. Embora meu palpite seja o custo de produzir a série, a estreia de Smash condisse com a época que muitos consideram a mais flop de Glee: terceira e quarta temporadas, em 2012.  Há quem diga que a “má influência” – que, para alguns, fez da série uma Glee para adultos – pode ter sido um dos fatores responsáveis pela breve duração. Relevância? Bem…

Após devorar os episódios e chorar em posição fetal por não haver mais, passei semanas me questionando o que teria feito a NBC cancelar a série, mas percebi que isso não importa, porque Smash tem tudo o que os verdadeiros fãs da Broadway amam: performances e atuações hipnotizantes, figurinos impecáveis, enredo cativante e músicas excepcionais. E isso, meus amigos, não se cancela.

Quer saber mais? Dê uma olhada no trailer de Smash aqui ou em sua versão estendida aqui.

Em universos paralelos, Débora é médica, comissária de bordo, diplomata, cantora e atriz, mas, no planeta Terra, tenta entender a vida e viajar pelo mundo. É formada em Letras, mas também estudante de Jornalismo. Rainha das escolhas erradas e dos memes certos. Uma sagitariana cujo ascendente em gêmeos faz com que ela avalie o pró e o contra de cada detalhe, pensando dez passos à frente, mas decidindo dez passos atrás. Reconhece qualquer música que conheça pelos primeiros acordes, tem uma relação de amor e ódio com Shonda Rhimes, não gosta de café. Ah, mantém um relacionamento sério com o Adam Brody, apesar de ele (ainda) não saber disso.

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