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Resenha | O Gigante Enterrado: metáforas, história e fantasia transbordam desse pseudo conto de fadas

Apesar de cada autor ter, obviamente, sua própria voz, alguns conseguem criar meios de expo-las tão peculiares que encantam logo nas primeiras páginas. Kazuo Ishiguro molda suas palavras como um artesão e nos entrega histórias cuidadosamente pensadas, únicas e muito bonitas. Bom, pelo menos foi o que ele fez em O Gigante Enterrado.

Para quem não conhece o autor, tem um post aqui no site sobre o ganhador do Nobel de Literatura do ano passado em que contamos um pouco sobre a sua vida e suas obras lançadas por aqui. Basicamente, Ishiguro é japonês, criado na Inglaterra, e tem cinco obras publicadas aqui no Brasil pela Companhia das Letras.

O Gigante Enterrado é, além de publicação mais recente, a primeira fantasia do autor. Na Inglaterra medieval pós-arturiana, um casal de aldeões idosos resolve visitar seu filho, que mora numa aldeia próxima, depois de muito tempo com dificuldades de se lembrar dele. “Ah, deve ser a idade!”, você deve ter pensado. Não é bem assim. Todo mundo parece se esquecer de tudo rapidamente, o passado, que nunca foi muito claro graças a nossa memória seletiva, se encontra escondido por uma névoa, como Axl e Beatrice resolveram chamar este esquecimento. O que prometia ser uma caminhada de um ou dois dias se transformou em uma grande aventura na qual guerreiros, cavaleiros e meninos mordidos por ogros se tornam a companhia perfeita para o casal enfrentar os perigos da névoa e, até mesmo, das suas próprias lembranças.

Preciso começar essa resenha deixando claro que essa não é uma fantasia mergulhada em batalhas e grandes esquemas de combate, ou que a magia aparece em cada página com grandes feiticeiros. Ishiguro não perde seu tempo, nem suas páginas com isso. A história de O Gigante Enterrado me fez lembrar a atmosfera de O Hobbit, sem as lutas, porém mais realista, misturada a um Dom Quixote ou algo do tipo. É um romance em que características fantásticas são pano de fundo e não o foco. O foco é muito mais humano, mais reflexivo.

Por isso, uma das coisas que mais me impressionou foi a fidelidade a estabilidade dos personagens. Muitas vezes nós acompanhamos pessoas que constroem um crescimento psicológico de alguma forma. E isso, quando bem feito, enriquece qualquer história. No livro de Ishiguro, os personagens são quem elas são da primeira a última página. E não é que nem fez falta?! Eu culpo a névoa que deve ter pairado sob a cabeça do autor e fez ele esquecer disso, ou quem sabe foi uma estratégia desde sempre, hum? O fato é que funciona.

O jeito em que Ishiguro nos faz mergulhar na jornada de Axl e Beatrice é, como eu disse lá em cima, peculiar. Com um tom de narrador de histórias de contos de fada, o autor nos dá uma escrita muito bonita, descritiva e propositalmente confusa – afinal, se você não se lembrasse do seu passado, não estaria confuso também? A beleza do seu jeito de escrever é muito clara, perceptível logo nas primeiras páginas. Ali você já sente que está lendo algo encantador. Mesmo assim, vou ser honesta: isso tudo pode fazer com que a leitura se arraste um pouco e peça mais determinação para terminá-la, além de, talvez, somada a estratégia do autor para montar o enredo, um pouco parecida com um labirinto. Mas, não tema, ó, caro leitor! Não é um bicho de sete cabeças, é só um pouco fora da sua zona de conforto. Faça como Axl e Beatrice: encare a aventura.

Ficha Técnica:

Título: O Gigante Enterrado | Autor: Kazuo Ishiguro | Tradução: Sonia Moreira | Páginas: 396 | Editora: Companhia das Letras| ISBN-13:  9788535925975 | ISBN-10: 853592597X | Ano: 2015 | Adicione ao: Skoob – Goodreads

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Apaixonada por música, cinema, moda e literatura, história mundial e andar de bicicleta. Sonha em ter muitos carimbos em seu passaporte.

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