Filmes

Mulan e seu live-action: quando a estrada da representatividade sofre uma guinada

Os últimos anos tem provado que aquilo em que Encantada (2007) apostou há mais de uma década dá certo: tragam os desenhos para o mundo real. A nossa querida Disney recebeu o recado e partiu em investimentos para que seus clássicos se tornem o mais realistas possíveis. Desde Alice no País das Maravilhas (2010) e Malévola (2014), passando por Cinderela (2015) e Mogli: O Menino Lobo (2016), até chegar no belíssimo A Bela e a Fera (2017), o reboot dos live-action não via uma época tão áurea desde a década de 90 – afinal, quem não viu os filmes de 101 Dálmatas

A Disney que não é boba nem nada, após algumas indicações em premiações variadas, a repercussão do sentimento de nostalgia generalizado e, claro, os milhões e milhões de dólares (só Mogli arrecadou quase um bilhão de dólares) de bilheteria, planejou alguns outros remakes para clássicos tão queridos. Entre eles, na lista estão Aladdin, Ursinho Pooh, Malévola 2, O Rei Leão e, nosso objeto de análise aqui, Mulan. Desde o anúncio, uma questão de imensa relevância vem sendo levantada pela mídia e pelos fãs: a representatividade. 

O fato é que a maioria desses desenhos se passa em países e abriga culturas muito diferentes da norte-americana ou da europeia. Por isso, depois de muito bafafá e reclamações – com toda razão – de notícias como ‘Scarlett Johanson está cotada para viver o papel de Mulan’, a Disney percebeu que se é para ser uma ação viva, era preciso mergulhar onde a ação mora. Scarlett, você é maravilhosa e talentosa, não é nada pessoal, você só não é… asiática. A protagonista da animação de 1998 foi escalada somente esse ano e, desmentindo rumores, Liu Yifei será a nossa Mulan nas telonas. O elenco que dará vozes aos personagens de O Rei Leão é majoritariamente negro, enquanto o de Aladdin tem origens árabes.

Será que a Disney aprendeu? Tudo indicava que sim, até que:


Basicamente, nosso querido e amado Comandante Li Shang NÃO estará no filme e a internet – e eu também – acredita que seja pela consideração da sua bissexualidade. Isso porque o personagem trata Mulan e Ping (seu nome de homem para quem não se lembra) com o mesmo respeito e interesse. Ele não limita a sua educação ou a sua consideração baseadas no sexo do seu próximo, seja uma amizade ou relacionamento amoroso. Quando Ping começa a melhorar no treinamento, ele o ajuda; quando perde seu pai, o conforto da palavra de Ping é bem-vindo; quando Mulan tem um plano para salvar a China dos hunos, ele a segue sem questionar. 

A produção e direção de elenco pediu para os testes um homem que se encaixe no seguinte perfil do personagem:

“nos seus 20 anos, que saiba falar inglês fluente e mandarim; vigoroso, metido e bonito, Honghui é outro recruta que se alista à unidade do Comandante Tung e está determinado a ser o melhor soldado na história da humanidade. Cheio de si, com um traço de maldade e intimidação, ele rapidamente percebe que Mulan é sua principal rival, mas não sabe que ela é uma mulher. Bastante determinado a ser o melhor em tudo, Honghui fica mais e mais incomodado pela habilidade de Mulan, sendo tão boa quanto ou melhor que ele. Mas depois que ele descobre que Mulan é uma mulher, seus sentimentos intensos de rivalidade se transformam em outro bem diferente, algo como amor.”

Houston, we have a problem! Na verdade, temos vários problemas aí, mas vamos com calma. O primeiro e mais óbvio: por que tirar um dos melhores e mais cruciais personagens do desenho? Era nosso sonho cantar Homem Ser (no meu caso, Vou Vencer – e cantarei vou vencer até meu último dia) nos cinemas. Mais ainda, queríamos a cena da avó da Mulan em live-action convidando-o para jantar. Mas, não, era necessário tirar um personagem com camadas interessantes aparentemente porque ele não via superioridade ou inferioridade em Mulan baseada em seu sexo. Ok, ele ficou chateado com ela quando foi revelado que ela era uma mulher, mas isso se deu por causa da mentira não pelo gênero. 

Li Shang era um ótimo comandante e amigo. A teoria da sua bissexualidade, sem confirmação pela Disney, só serviu para melhorar ainda mais a imagem do filme que já se consagrava entre uma das animações mais representativas já feitas pela empresa. O que nos leva ao segundo problema: quem é esse novo personagem na fila do pão? Ao contrário de Shang, Honghui parece se propor a enxergar Mulan como igual enquanto ela é um homem, ou seja, suficientemente boa para competição. Agora, a partir do momento em que ele descobre a verdade, tudo muda. O foco se transforma em outro uma vez que a igualdade entre os sexos cai por terra. Mulan, mulher, não pode ser um ser humano bom o suficiente para ser um soldado bem qualificado e capaz. Aparentemente, ela só serve para par romântico. E lá vamos nós ao próximo problema.

O clichê “eu te odeio, eu te amo” parou de dar tão certo depois de 10 Coisas que Eu odeio em Você. Para essa receita dar liga, muita imaginação e originalidade tem que ser aplicadas nas obras para que o público não se canse dessa mistura de bolo pronta. Então, como se não fosse suficiente a possibilidade de não termos as músicas e a mudança dos vilões – no filme, precisaremos entrar nas salas de cinema ou apertar o play com as expectativas lá embaixo. Sinceramente, a cada notícia que chega ao público sobre o live-action, menos os fãs sentem a essência de um dos desenhos que mais marcaram a sua infância e mais ele se parece um novo filme. Um filme que, para falar a verdade, tem me dado menos vontade de assistir de acordo com essas novidades… 

Sabe o que é melhor? Melhor eu me ater aos clássicos e ir ali, apertar um play, com cobertor e café, e cantar a plenos pulmões com o desenho antigo. Foi mal, vizinhos. A Disney me deixou em bad vibe mood.

Apaixonada por música, cinema, moda e literatura, história mundial e andar de bicicleta. Sonha em ter muitos carimbos em seu passaporte.

Um comentário

Deixe uma resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *