Resenha | "Só os Animais Salvam": quando os bichos falam e o homem aprende |

Só os Animais Salvam é um livro difícil de resenhar. Primeiro porque é um livro de contos e, para mim, eles são mais complexos na hora de passar para a folha em branco o que achei por normalmente apresentarem muitas informações e caminhos diferentes. Segundo porque a minha relação com os animais não é das mais próximas. De verdade, não sou o tipo de pessoa que gosta – e nem tenho – de animais de estimação. Não me leve a mal, acho muitos deles fofinhos e não vejo nada demais nas pessoas que os tem. Só não faço parte do grupo, entende? Por isso, quando sentei para escrever este texto tive que repassar muitas maneiras de começá-lo que, infelizmente, não seriam verdadeiros. Então, está aí. É assim que começo meu texto: com uma informação que, no final das contas, não vai interferir em nada a sua vontade de lê-lo ou não.

Tudo bem, desculpas por isso. Eu acredito, no entanto, que se alguém gosta muito – ou minimamente mais – dos bichinhos do que eu tem um atrativo só pelo título do livro. Só os Animais Salvam é uma reunião de fábulas, escrito por Ceridwen Dovey, que mostra a visão dos bichos ao contar suas versões de momentos bem difíceis da humanidade. Estes eram ambientados em grandes guerras ou estresses políticos, como as Grandes Guerras Mundiais, a Guerra Fria e a Corrida Espacial, ou a Guerra Civil de Moçambique. Não pense que a autora se ateve somente aos animais domésticos, não. Dando voz desde camelos e chimpanzés até ursos e golfinhos, o livro traz emoções profundas de seres que nós julgamos irracionais.

Se não me engano, o que nos permitiu evoluir até o estado que nos encontramos foi a posse de polegares. Esses dois dedinhos que nos parecem tão banais foram uma grande arma para alavancarmos na corrida evolutiva e dominar o mundo. Contudo, é muito errado pensar que os animais possuem um nível de racionalidade zero, como se todos fossem grandes amebas, entregues à inércia. Com essa ideia em mente, muitas pessoas e organizações exploraram os limites de determinadas espécies e é justamente isso que alguns contos tratarão. Nós encontraremos golfinhos militares dividindo as páginas com chimpanzés quase humanos e tartarugas bem letradas (que somados a história da elefante, formam meus contos favoritos do livro).

Dovey pode se deixar levar pela imaginação e criar algo incrível e bastante original, mas não é uma criação sem respaldo. É possível identificar mesmo durante a leitura o quanto a autora se dedicou à pesquisa para que este livro fosse tão incrível quanto é. O cuidado com cada história é tão óbvio que nos incentiva a continuar lendo, a virar cada página, tanto quanto o enredo em si. Na edição brasileira, formada pela DarkSide Books, podemos encontrar as fontes de pesquisa e citações usadas pela autora e consequentemente boas dicas de leitura e filmes.

Eu acredito que você já tenha se pego pensando no que o seu bichinho te diria se pudesse falar. Em cada fábula, nós desvendamos este mistério. A relação com os humanos é extremamente criticada e as decisões dos nossos representantes dali, metaforizada nas histórias de Dovey e, como nas histórias de ninar, cada fábula traz uma mensagem junto a muitas tragédias biográficas. Confesso que quando comecei a ler – com o conto do camelo – achei que não terminaria o livro, mas logo, logo percebi que não era preciso ter essa tamanha conexão com os animais para perceber a qualidade dessa obra. Ela é, na realidade, um chamado às decisões humanas que traçam um caminho perigoso a extinção. Em um mundo onde bombas atômicas atormentam a sobrevivência da espécie, trazer essas descrições de vidas abaladas e moldadas pela guerra de maneira tão inusitada se torna um meio de pedir por atenção, por mais paciência e tolerância. Não importa qual seja a espécie do alvo delas.

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Isabella Álvarez

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