Diagnóstico,  Séries

Desventuras em Série: é melhor olhar! | Diagnóstico

 

Minha avó dizia uma frase, constantemente repetida pela minha mãe, que é bastante verdadeira e adequada em inúmeros momentos da vida: “não há gosto, sem desgosto”. Basicamente, quer dizer que para tudo na vida é preciso se esforçar para conseguir. Enquanto assistia a nova série da Netflix, Desventuras em Série, essa frase ficava piscando na minha cabeça como aqueles grandes sinais de filme em neon. Principalmente pela palavra desgosto. Esta é obviamente o carma dos pobres órfãos Baudelaire encarnado na pele de um homem chamado Conde Olaf.

A inventiva Violet, o inteligente Klaus e a sincera Sunny Baudelaire perderam seus pais e sua casa em um gigantesco e trágico incêndio e precisam de novos tutores. Em seu testamento, seus pais determinaram que as crianças ganharão uma enorme fortuna, mas só terão acesso à ela quando Violet, a filha mais velha, for maior de idade. Até lá, eles teriam que ser criados pelo familiar mais próximo. Mas isso não quer dizer que será fácil. Seu primeiro tutor, um ator fracassado de nome Conde Olaf (Neil PAtrick Harris), está mais interessado na conta bancária dos Baudelaire do que no bem estar dos órfãos. Não importa quais sejam os obstáculos, ele está determinado a conseguir cada moeda, cada nota daquela fortuna. Após um plano mirabolante que falha, os órfãos passam por outros tutores bastante excêntricos sem, no entanto, deixar de temer os próximos passos do repulsivo Conde.

Baseado na série de livros homônima de Lemony Snicket – pseudônimo de Daniel Handler -, a série de oito episódios cobre os quatro primeiros livros da história dos pequenos Baudelaire: Mau Começo, A Sala dos Répteis, O Lago das Sanguessugas e Serraria Baixo-Astral, divididos em duas partes. Essa decisão de enredo acertou em cheio no que diz respeito a tentativa de ser fiel a uma adaptação. Ao contrário do filme de 2004, a Netflix deu espaço para que todas as tramas e subtramas das desafortunadas crianças se desenvolvessem na já confirmada segunda temporada e na possível terceira. Dessa forma, nós podemos conhecer mais os personagens, montar um processo de identificação mais sólido e ter mais compaixão pelos Baudelaire.

Isso, contudo, não é algo difícil. A tragédia que deu início a história já é algo triste o suficiente, mas como o título propriamente diz essa é uma história de desventuras em série. Como se não fosse ruim o bastante perder os pais, sua casa e consequentemente a realidade em que estão acostumados, os jovens se veem em constante perigo com a perseguição de Conde Olaf uma vez que nenhum adulto os leva a sério quando de cara eles desmascaram o patético ator. Este personagem cruel, atrapalhado e ganancioso foi interpretado por Jim Carrey na adaptação cinematográfica e esse ano entrou na pele de Neil Patrick Harris. Se o primeiro foi extremamente caricata bem correspondente ao estilo do ator, esse foi irônico e sedutor – não que tenha dado certo, o cara é horrendo – da natureza do segundo ator. Eu não saberia comparar ao personagem em sua essência literária porque não li os livros, mas acredito que as duas interpretações tenha trazido um lado do grande vilão sem abandonar sua fachada principal.

Seguem assim episódios de adrenalina escondidos sob uma atmosfera blasé, ou melhor, uma pseudo seriedade. Este é um ponto curioso. A série não trás muitas gargalhadas dos personagens, mas evoca o humor de maneira sensacional. Nem muito nem pouco, os risos surgem de redundâncias e choques de realidade em que uma piadinha ou outra remetem a coisas fora do tempo em que a história se passa.

A parte técnica em efeitos, por sua vez, é de grande abuso nessa produção. Os cenários são quase todos montados virtualmente, salvo alguns artifícios mais viáveis e menos imagináveis. Sunny é uma bebê meio real meio virtual que de vez em quando assusta o público pelo exagero (lembram da filha de Edward e Bella em Crepúsculo? Algo assim), particularmente em cenas em que a bebê está parada sem participação nenhuma no desenrolar ou no diálogo. Dona do núcleo de comédia da série, ela é um  bebê excepcional, com habilidades surreais que obviamente teriam que ser realizadas por um computador. Para esses momentos, não tenho nada a criticar. De forma geral, o relato de Lemony Snicket sobre a tragédia dos Baudelaire é bastante fantasiosa e, assim como as peripécias de Sunny, poderiam arriscar sua qualidade se não tivessem uma ajudinha da máquina.

O jeito que eles montaram a série constrói uma linha narrativa muito melhor do que eu esperava. As surpresas no meio do caminho não espantaram somente os órfãos, mas a mim também, que não esperava tal coisa de uma série supostamente infantil. Apesar de me irritar um pouco com as constantes repetições propositais de falas – vai por mim, tem muito disso -, não é o suficiente para atrapalhar a experiência e influenciar na minha decisão de que foi uma das melhores produções da Netflix com toda certeza. Boas atuações, fotografia bela e combinada a história e enredo bem bolado marcam a identidade dessa nova vida para a história de Daniel Handler. Nunca achei que ia encorajar alguém a assistir desgraças, mas é melhor olhar para os órfãos Baudelaire de cara nova e mesmos infortúnios. É melhor olhar.

Apaixonada por música, cinema, moda e literatura, história mundial e andar de bicicleta. Sonha em ter muitos carimbos em seu passaporte.

Deixe uma resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *