Vidas Passadas | A complicada carga do “e se…”
Nora (Greta Lee) e Hae Sung (Teo Yoo) eram melhores amigos e primeiros amores quando Nora ainda era Na Young na Seul da década de 90. Quando seus pais emigram para o Canadá, os dois se perdem um do outro. Anos depois, eles se reencontram online e entram em um gigantesco sentimento de nostalgia e imensas possibilidades perdidas no passado. E se Nora não tivesse saído de Seul? E se Hae Sung tivesse ido encontrá-la em Nova York? Assim, nós, o público, acompanhamos um oceano de caminhos do que poderia ter sido em Vidas Passadas.
Os dois lados de Vidas Passadas
Nora é ambiciosa, determinada e livre, características que ela fez florescer no ocidente. Hae Sung é um pouco perdido, contemplativo e reservado e a Coreia o ajuda a seguir em frente. Nenhum dos dois se vê fora do lugar em que estão agora, mas se perguntam como teria sido se tivessem largado tudo e ido em busca um do outro.
A questão é que, no meio de tantos “e se…”, os dois ainda tem uma incrível sincronia, uma cumplicidade que o tempo não conseguiu apagar.
Nós podemos achar que Nora está encarando esse reencontro com facilidade, mas, na verdade, Hae Sung representa muito mais do que um primeiro amor. Ele a reconecta com a criança que ela foi, com sua essência, com sua cultura materna, de formas que ela não achava conseguir mais. Em um primeiro momento, tudo é muito estranho para ela, no entanto, pouco a pouco, ela se deixa levar.
Já Hae Sung busca uma oportunidade perdida, uma palavra não-dita, para qual o momento já passou faz mais de vinte anos. Ele procura em Nora um futuro e respostas que não sabe se encontrará na sua realidade, nem, ao meu ver, Nora poderia dar.
Os silêncios poderosos
Vidas Passadas é repleto dos silêncios mais barulhentos que já vi em um filme. Isso porque cada olhar, sem falas, entre Nora e Hae Sung gritava tantas coisas ditas e não ditas, todos os multiversos que um dia poderiam ter existido. O poder do silêncio no filme é tão intenso quanto a química entre os amigos separados. E nos deixa aflitos e hipnotizados. E isso comove o público, nos deixa aflitos porque fomos condicionados a acreditar que um vai correr atrás do outro em um aeroporto e pedir para que fique, como nas mais famosas comédias românticas.
Quando os silêncios finalmente se rompem, normalmente não dizem tudo o que era necessário. Em poucos momentos, eles se abrem. Isso porque Nora criou um muro para se proteger dos choques culturais após a imigração e ir atrás dos seus objetivos e Hae Sung, tão imerso na cultura disciplinar e mais dura dos coreanos, não sabia como dizer o que estava sentindo.
Dois mundos, mesma raíz
Além de uma história de choque entre passado e presentes, Vidas Passadas ainda explora as diferenças culturais entre tradição e mudança. Vale a pena prestar atenção nisso. Nora se adapta muito bem ao Ocidente e passa uma auto-confiança construída fora da Coreia. E, quando a Coreia bate na sua porta na forma de Hae Sung, traços culturais do passado chegam junto com ele. E, conforme já disse aqui, esse embate não é um processo simples para nenhum dos dois, nem seria para ninguém. Afinal, Nora até mudou de nome quando saiu de Seul.
Para ela, rever Hae Sung é como repensar o que ela quer manter da sua cultura materna em si. Para ele, Nora representa uma nova visão de mundo em que ele precisa tomar mais atitudes para a sua vida seguir em frente, a ambição ocidental.
Veredito: Vidas Passadas é um filme de camadas que deixa nosso coração na mão
Esse filme é especial, sabe? Não tem um ritmo intenso, nem comercial, mas vai te conquistando pouco a pouco e, quando você vê, está chorando no meio do cinema igual a mim.
Texto originalmente publicado no Instagram do Diga, Isa e ampliado para este post.