Você, série da Netflix
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Você: repaginando o psicopata hollywoodiano na nova série da Netflix | Diagnóstico

“You want to be seen, heard, known.
Of course, I obliged.

Na era do fim da privacidade, compartilhar momentos, pensamentos e histórias é o motor da sociedade. Nós não largamos nossos telefones por nada. Se ele some, nosso coração para. Poste, clique, curta, compartilhe. Se mostre, venha, me conte. Estamos tão imersos nessa realidade que os 15 primeiros minutos de Você, série da Netflix, nos aterroriza, deixando-nos instantaneamente com vontade de apagar todas as redes sociais e sumir do mapa.

Joe Goldberg encontrou Guinevere Beck, a cliente da livraria que gerencia, em menos de cinco minutos na internet. No mesmo dia, ele já estava na frente da casa dela, admirando sua rotina. Ele estava apaixonado e daria um dos seus braços para vê-la feliz e segura. Precisava fazer tudo por ela. Ele remoldaria sua vida para que Beck fosse a melhor versão de si mesma  – e quem entrasse em seu caminho se arrependeria.

Em Você, o psicopata muda

Não, ele não muda com promessas, cinco minutos de arrependimento e depois, retorna às raízes. Na verdade, a mudança vem a partir da postura de bom moço. O stalker não é mais diretamente sinistro, nem se mostra sob a perspectiva da vítima. Joe sorri bastante, é educado, tem uma fala mansa, é protetor dos oprimidos. Ele não tem uma risada macabra ou anda na noite à procura de novas vítimas.

Joe não tem remorso por mentir, manipular e perseguir tanto Beck quanto as pessoas da vida dela. A mentira, inclusive, prejudica e enriquece a história. Isso porque nós vemos e conhecemos a história através dos olhos de Joe.

O velho dilema: Capitu traiu ou não traiu Bentinho?

Quem lê Dom Casmurro se depara com a genialidade de Machado de Assis com seu narrador nada confiável. Nós atravessamos o livro ouvindo de um personagem ciumento que sua esposa o traiu com seu melhor amigo. Em nenhum momento ouvimos o lado deles. A questão, no entanto, está na técnica também usada em Você. Com um narrador assim, a tendência de inocentá-lo por nossa parte, o público, é muito grande porque ele vai fazer de tudo para se justificar e defender que o seu ponto de vista ou suas ações, apesar de estranhas ou claramente erradas, são certas.

Todas aquelas características de Joe que listei para vocês acima são o combustível para que Joe seja o Bentinho de Você. Em vários momentos, em especial nos primeiros episódios, você se vê inclinado a concordar com ele – afinal, coitado, ele está apaixonado, só quer ter Beck como namorada. Mas, muito cuidado, nada justifica as ações de Joe. Nosso protagonista é um stalker psicopata que monta um relacionamento abusivo e um tanto machista. Ele pode, sim, ser traumatizado por um passado obscuro – que, honestamente, ainda precisa ser melhor trabalhado ao meu ver -, mas ainda assim não é uma desculpa viável. Não defenda Joe Goldberg, você não gostaria que ele estivesse na sua vida, não é?

Pois a Netflix acertou e muito

Eu ainda não li o livro que baseou a série – Você, de Caroline Kepnes, publicado pela Rocco e resenhado pelo nosso parceiro, o Vai Lendo -, mas sinto que foi uma boa adaptação. Aumentou meu interesse pelo livro e pela voz de Joe (inclusive, ler o livro em inglês deve ser uma ótima experiência). O produto final da série entrega uma fotografia e iluminação envolvente, muitas vezes, como num filme noir só que colorido – me lembrando aqueles escritórios de detetive da década de 30 -, outras, normalmente nos momentos de mentira, bem iluminado, a céu aberto.

Penn Badgley abandona completamente seu passado de Dan Humphrey  e deixa Nova York mais sombria a cada sorriso. Elizabeth Lail deixa Anna de Arendel, em Once Upon a Time, e entrega uma Beck representante das gerações Y e Z dos perdidos na vida adulta de responsabilidades. Todo o elenco, com Shay Mitchell e John Stamos inclusos, trabalha muito bem e divide a causa do sucesso da série.

Com a segunda temporada confirmada – com direito a Penn Badgley falando memes em português -, Você agarra o espectador do início ao fim. Seus super maratonáveis dez episódios são só o início da jornada que pode ter começado com muita malemolência por parte do protagonista, mas que aparentemente fará Joe se virar nos trinta para escapar dos seus atos.

Apaixonada por música, cinema, moda e literatura, história mundial e andar de bicicleta. Sonha em ter muitos carimbos em seu passaporte.

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