Literatura,  Resenhas

Resenha | O Colecionador, de John Fowles

Um bom terror psicológico pode ser tão bom quanto qualquer história sobrenatural, desde que você, claro, acredite nela. A questão é que o primeiro assusta tanto quanto, ou mais ainda, por ser normalmente algo muito mais possível de acontecer. Fred era só um jovem trabalhador que ganhou na loteria e viu nisso a oportunidade de finalmente estar com o amor da sua vida. Miranda era uma estudante de arte saindo do cinema quando foi raptada por um homem que alegava ter atropelado um cachorro e não sabia o que fazer. É com essa premissa que O Colecionador, de John Fowles, começa seu clímax.

Dividido em quatro partes, duas mais largas e principais, o livro de estreia do escritor inglês traz dois narradores-personagens indubitavelmente diferentes. Fred era um funcionário público da classe operária, enquanto Miranda era uma jovem de classe média alta. Ele sempre se reprendia pelas suas origens e sua vida. Ela, tinha um certo orgulho velado de falso desprezo pelas suas. 

Os meses de cativeiro passam sob duas perspectivas angustiadas e conflitantes. E nós, como leitores, nos vemos mergulhados em debates sobre classes sociais, experiência de vida, feminismo, choque cultural em cerca de trezentas páginas. À primeira vista, a profundidade de O Colecionador pode passar desapercebida em meio a relação super e obviamente complicada entre os protagonistas. 

O sequestro de Miranda é um tema de desgraçamento mental para o leitor por si só. No entanto, a cada página, nós percebemos a complexidade presente nela e em Fred – a quem ela decide chamar “carinhosamente” de Caliban*. Uma das coisas que mais me surpreendeu na história foi a persistência de Miranda, assim como sua oscilação de temperamento. Ela sempre se considerou fraca em seus escritos, e dizia que era dessa forma que todos a viam, mas suas ações durante o cativeiro mostram o contrário. 

Frederick, por sua vez, é claramente um homem doente, obcecado com algo que ele não pode ter e nem saberia como, caso conseguisse. Ele é um exemplo claro de como as coisas podem dar errado quando se dá poder àqueles que não deveriam tê-lo. Os limites entre amor e obsessão são quase invisíveis e suas intenções são constantemente exploradas por Miranda, rendendo diálogos impressionantes. 

A escrita de Fowles lembra bastante ao fluxo psicológico. O autor não se prende a normas de pontuação ou constantes de diálogos. Suas palavras, sua história realmente fluem, em especial no diário de Miranda, que funciona de acordo com o humor e as intenções da personagem. Isso, no entanto, pode atrasar a leitura, deixando-a mais densa. Mesmo assim, não diminui a qualidade da obra, só a torna uma indicação para momentos de leitura fora da ressaca literária.

A edição da DarkSide resgatou esse clássico do limbo literário e elevou-a a um novo patamar. Com um trabalho gráfico tão próprio à editora e ao livro em si, o design não é o único destaque da edição. Um prefácio escrito por ninguém mais, ninguém menos que Stephen King enriquece a repaginada que o primogênito de Fowles levou nessa retomada. Digno do apreço dos admiradores do autor. O Colecionador é leitura obrigatória para aqueles que gostam de um desgraçamento, um mergulho bem-feito no desequilíbrio, mas fica a dica: deixe o prefácio por último e comece logo na narrativa de Fred. Não vai se arrepender.

* “Caliban é filho de uma bruxa com o Diabo. Feio e malcheiroso, a ponto de ser confundido com um peixe morto. Mesquinho e vingativo, Caliban tenta violar Miranda (de A Tempestade), com a intenção de “povoar de Calibanzinhos” a ilha em que ambos são prisioneiros.” (O Colecionador, p. 332)

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