Diagnóstico | Desventuras em Série (2ª Temporada)
Quando um episódio de Desventuras em Série começa, nós somos fortemente encorajados tanto pela música de abertura quanto pelo nosso austero narrador, Lemony Snicket (Patrick Warburton), a desligarmos nossas tvs, celulares, computadores e deixarmos os órfãos Baudelaire com seu destino silenciados. Mas se você está lendo este diagnóstico é óbvio que eu faço parte do grupo que resolveu seguir em frente. Eu, como muitos outros, sofri pelos órfãos por vontade própria – ainda que contraindicada.
Plots da temporada:
No final da primeira temporada, os órfãos Baudelaire aguardavam sentados em um banco, uniformizados, por sua próxima desventura. Violet (Malina Weissman), Klauss (Louis Hynes) e Sunny (Presley Smith) não tinham mais guardiões que quisessem abrigá-los e tiveram que ir para a próxima opção: um colégio interno. Ao contrário do que achávamos com o final da primeira temporada, Conde Olaf (Neil Patrick Harris), seu maior inimigo inteiramente interessado na fortuna herdada pelas crianças, está à solta e facilmente descobre as crianças na séria e macabra instituição. Um resquício de esperança surgiu nesse plot, contudo, graças a uma nova amizade no horizonte: os trigêmeos Isadora (Avi Lake) e Duncan Quagmire (Dylan Kingwell) – o outro irmão, Quinley, faleceu em um incêndio. Para nós, um ponto de escape para os Baudelaire, para Conde Olaf, esmeraldas brilhantes que o farão rico.
Todas as confusões e falta de fé na palavra das crianças as levaram para um novo abrigo. Um antigo amigo da família – nada envolto nas missões secretas dos pais dos Baudelaire – convence a sua esposa a adotá-los e ela finalmente os aceita porque, bom, órfãos estão na moda. O que eles mal poderiam achar é que segredos do passado da nova tutora os colocariam em novos maus lençóis.
A última tentativa do bancário ingênuo que não para de tossir responsável pelas decisões tutoriais das crianças residia numa vila no interior que se tornaria encarregada de cuidar elas. E, é claro, Conde Olaf está logo atrás. E essa perseguição resulta na fuga dos órfãos, em um incêndio gigantesco e uma nova carreira em um circo abandonado. Por fim, paramos em um quase literal cliff hanger com uma baita revelação para a próxima temporada.
Impressões
Não é à toa que a história de Violet, Klauss e Sunny se chama Desventuras em Série. Seria difícil pensar em um título mais bem adequado. Como essas crianças sofrem! Se na primeira temporada, a nossa frustração veio acompanhada de um desespero pelo final feliz, nesta nova etapa, o desespero focou em qualquer partícula de paz que eles possam ter; ele toma conta da cena e nós só conseguimos esperar que eles sejam fortes suficiente para seguir em frente.
Isso porque, entre outros motivos, a falta de crença na palavra deles e a estupidez dos personagens deixam de ser engraçadas como na primeira temporada para se transformarem em angustiantes. Quem deveria cuidar deles subjuga suas inteligência e habilidades sem nenhuma hesitação e as crianças ficam a mercê de um monstro interesseiro que se acha bom ator. Bom, em um mundo onde ele passa ileso por tanto tempo deve ser fácil ser bom ator. Falando nisso, Neil Patrick Harris que o diga.
Ao contrário de seu personagem, Harris conseguiu se superar. Conde Olaf está mais severo, mais cruel, mais obcecado. A possibilidade de uma fortuna complementar faz com que o ‘nobre’ encha seus olhos de ambição cega e, apesar de seus exageros de Olaf se manterem, seu olhar vem acompanhado de frieza e apatia. O resto do elenco não deixa o padrão cair. Weissman e Hynes ganham mais química e a irmandade transborda, assim como Smith – um pouquinho mais velha do que na primeira temporada – é cada vez mais carismática. As participações especiais também sustentam o nível de qualidade de interpretação. Meus favoritos foram a insuportável Carmelita (Kitana Turnbull), a simpática e leal bibliotecária Olivia Caliban (Sara Rue) e o arquivologista apaixonado Hal (David Alan Grier).
Outro ponto alto da temporada foi o maior destaque ao mistério que permeia o passado dos pais – e de Conde Olaf. Com mais detalhes e, consequentemente perguntas, os órfãos e o público consegue juntar peças importantes do quebra-cabeça que tinha ficado muito incompleto na primeira temporada. Ainda que não esteja totalmente montado, as sombras que envolviam esses segredos se dissipam e revelam um plot impressionante e instigante.
Da mesma forma que a temporada de 2017, a segunda temporada adapta cada livro em dois episódios, são eles: Inferno no Colégio Interno, O Elevador Ersatz, A Cidade Sinistra dos Corvos, O Hospital Hostil e O Espetáculo Carnívoro. Bastante divergente da adaptação cinematográfica de 2004, que mesmo assim tem seus méritos e ajudou a tornar a obra mais conhecida. Uma semelhança do ano dois de Desventuras em Série ao filme do início da década passada está na estética.
Uma coisa que sempre me chamou atenção na série da Netflix é a similaridade de estilo com as obras de Wes Anderson. Uma tristeza delicada, cheia de cores pálidas e tons pastéis, é a base para qualquer momento da história. Embora isso ainda aconteça nesse pedaço da história, não podemos deixar de notar que tudo ficou mais sombrio, mais sóbrio. Na medida em que os órfãos crescem, o mundo se torna menos belo, menos alegre, mais profundo, mais complicado. A maturidade da história acompanha as crianças. Se elas podem lidar com mais decepções, você, público também pode. E funciona muito bem.
Diagnóstico
É sempre perigoso adaptar livros. A sequência para Desventuras em Série continua sendo uma felizarda porque entrega uma boa ambientação ao mesmo tempo em que promove uma baita série. A segunda temporada veio para nos fazer sofrer, correr e rezar junto aos Baudelaire, admirar a persistência de Conde Olaf e perguntar como cargas d’água ninguém percebe as armações sobre os incidentes. Além disso, trouxe também uma qualidade de trama, interpretação e técnica magníficos. Sem falar naquele critério importantíssimo nos dias de hoje: totalmente maratonável. O que nos resta agora é esperar pelos próximos infortúnios que aguardam os Baudelaire no futuro.