Literatura,  Resenhas

“Cat Person” e a comoção global sobre encontros ruins, consentimento e coragem no mundo online

Na época de Sex & The City, quando Carrie Bradshaw e suas amigas gostavam de alguém e esse alguém gostava delas de volta, o resultado era a troca de números de telefone e, se o sentimento e interesse tiver sido real, um encontro. Daí é que os dois passariam a se conhecer melhor. Hoje em dia não é bem assim, não é mesmo? Os aplicativos de encontros são muitos e famosos e deixaram se ser sinônimo de somente sexo casual ou interesse passageiro. A frase “minha amiga conheceu o namorado dela no Tinder” não é muito estranha aos ouvidos. A troca de mensagens cheias de flerte e brincadeiras, perguntas e respostas se tornou o novo primeiro encontro. Mas, um emoticon substitui um olhar ou um tom de voz? Mentir se torna bem mais fácil online, assim como se livrar da timidez. Afinal, quem é aquela pessoa por traz do celular?

No início de dezembro, o The New Yorker se tornou viral ao trazer um conto que mergulha de cabeça nessa experiência de começar um relacionamento, breve ou duradouro, online. O conto Cat Person, de Kristen Roupenian, ganhou a internet quando a geração Z finalmente se viu representada na ficção. O sentimento de catarse foi tão instantâneo quanto o aumento de seguidores de Roupenian no Twitter – de 200 seguidores antes da publicação do conto para mais de 8 mil hoje.

Cat Person conta a história de Margot, uma garota de vinte anos que está quase terminando a faculdade, vive em um dormitório e trabalha em um cinema de filmes B. Robert é um cliente que faz um pedido inusitado na bomboniére ao qual Margot responde com um pequeno flerte. Eles trocam números logo em seguida e dão início a uma conversa constante que dura semanas. Focado em Margot, o conto retrata bem os problemas de um encontro ruim, a máscara do perfil online e as coisas que fazemos sem querer por livre e espontânea pressão.

A história não é fantástica, não há nada de novo em estilo, mas sim, de temática. Pouco a pouco, os escritores aplicam mais e mais recursos que nós – e eles – usam no dia a dia no meio das suas histórias. Mas eles não estão muito sincronizados ainda, e por isso um enredo tão próximo a realidade, ao cotidiano, tem esse poder de dispersão, arrematando milhares de leitores ao redor do mundo graças a um simples ingrediente: a catarse.

Quem nunca teve uma decepção ao conhecer alguém que online parecia o ó do borogodó? Um conto curto como esse az o leitor rememorar e refletir sobre experiências muito próximas – dele, ou de um amigo – que deixaram de alguma forma uma marca, seja para nunca mais fazer de novo, seja para tentar uma outra vez. Contudo, Cat Person também funciona como um apelo que pede o fim de certos comportamentos sobre limites e consentimento muito encrustados na nossa sociedade e que precisam, sim, ser cessados. Outro caminho de olhar a história de Margot está na coragem de seguir em frente de dar esse passo fora do online, sem saber o que lhe espera no horizonte.

Tantas possibilidades de interpretação para um texto de pequeno porte fazem a gente questionar  se uma imagem vale mesmo mais que mil palavras. Na minha opinião, não é tão simples assim não. Especialmente, em palavras como essas. E não fui só eu quem viu isso, modéstia parte, o mundo inteiro também sentiu o impacto da curta história de Roupenian. A escritora já tem um livro de contos e um romance encomendados e seus direitos já foram comprados por diversos países ao redor do mundo, inclusive aqui no Brasil pela Companhia das Letras. Pode ser muita pressão para alguém que postou um conto no New Yorker? Pode. Mas foi uma história tão completa e poderosa que quase que eliminam as dúvidas sobre a qualidade dos seus próximos trabalhos. Eu, pelo menos, já vou procurar mais textos dela e aguardar ansiosamente pelas publicações. Enquanto isso, cuidado com as Cat Person’s por aí e não deixe de acreditar na sua coragem interna.

Leia aqui o conto Cat Person em inglês: https://www.newyorker.com/magazine/2017/12/11/cat-person

Apaixonada por música, cinema, moda e literatura, história mundial e andar de bicicleta. Sonha em ter muitos carimbos em seu passaporte.

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