Crítica | Animais Noturnos e o talento de Tom Ford como diretor
O Oscar é uma premiação famosa por certos tipos fixos de exclusões – afinal, quem não se lembra de todo o barulho que foi necessário para Leonardo DiCaprio ganhar o há muito tempo merecido prêmio de Melhor Ator? Outros atores que me dão a impressão de sofrer do mesmo são Amy Adams e Jake Gyllenhaal. Este já se provou um ótimo ator há anos e, pelo visto vai traçar os mesmos passos de DiCaprio na perseguição pelo prêmio. Já a primeira foi esquecida neste ano mesmo com dois filmes de peso que possibilitavam a indicação: Animais Noturnos e A Chegada. Vamos falar sobre o primeiro por aqui.
Susan Morrow é uma famosa dona de galeria de arte em Nova York, casada com um agente de arte também bastante requisitado e possui uma incrível mansão em estilo clean que fecha o perfil da aparente riqueza com chave de ouro. Por trás dessa fachada, ela está infeliz com sua profissão e desapontada com a distância do marido e a falência do seu casamento. Após a abertura de uma nova mostra em seu trabalho, ela opta por passar o final de semana em casa sozinha, sem seus inúmeros empregados, já que seu marido está em uma nova viagem. A única distração que encontra é o manuscrito do novo livro de seu ex-marido, Tony, que lhe envia depois de anos sem contato. A história contida naquelas páginas, cheia de passagens sombrias e tons medonhos sobre o pior do homem, levam Susan a refletir sobre seu passado e suas escolhas.
O filme acaba dividido em três linhas: o presente de Susan, seu passado quando estava na casa dos vinte anos e o que acontece no livro. Todas elas são estreladas por praticamente os mesmos atores, apesar dos cenários superficialmente diferentes. Jake Gyllenhaal estrela brilhantemente o papel do marido texano que se vê perdido após o atentado contra sua família simultaneamente o do escritor frustrado e primeiro marido de Susan. Amy Adams, por sua vez, encarna maravilhosamente uma mulher de meia idade sem esperanças e tão frustrada quanto seu ex de maneira equilibrada e centrada, enquanto há explosões por dentro. No que diz respeito às atuações, o filme monta o patamar bem alto e em nenhum momento despenca – o destaque e surpresa fica para Michael Shannon, como o policial da história de Tony, que, inclusive, foi indicado ao Oscar como Melhor Ator Coadjuvante.
Se nos voltarmos para a parte técnica, precisamos falar sobre Tom Ford. O renomado estilista se arrisca pela segunda vez no mundo cinematográfico com Animais Noturnos seis anos depois de sua estreia na área com o bem criticado Direito de Amar. O filme mais recente sai um pouco do drama melancólico e cai de cabeça no terror psicológico. Essa transição foi incrível e deixa o telespectador à flor-da-pele – tanto que em certos momentos o diretor gosta de assustar o público com cortes bruscos e eficientes que nos transporta para uma outra linha do enredo, como o manuscritos caindo ou sendo fechado com força por exemplo.
Uma coisa curiosa é a fotografia desse filme. É de se pensar que um drama com tamanha carga emocional, que coloca o nervosismo como um dos personagens mais presentes, não deveria apresentar tantas cores vibrantes, não é mesmo? Cores que remetem à paz, esperança, amizade, ao amor e à paixão. Pensando sobre isso, o trabalho de Ford com Seamus McGarvy, diretor de fotografia, foi para mim impecável e obviamente com toques de alguém (ou os dois) ativamente envolvidos com design de uma forma geral. É algo bem bonito de se ver de fato.
Ford não foi responsável só pela direção. O roteiro também foi desenvolvido por ele, tecendo um quebra cabeça através dessas três linhas temporais e espaciais que levavam a protagonista a profunda reflexão sobre sua vida e seu futuro. De uma sutileza tamanha no meio de muita brutalidade e frieza, o enredo do início ao fim é firme e tenso, algo além de uma bomba relógio, algo como a formação de uma guerra civil interior. Definitivamente, é um desenvolvimento ousado como um todo, e pode não agradar a muitos, mas não é uma obra que pode facilmente ser considerada ruim ou aquém do que se propôs. É um filme para incomodar, sim, mas se tornar desconfortável não corresponde a uma história ruim ou mal feita.
Acho que consegui deixar claro que gostei bastante do filme e fico embasbacada com o silêncio do Oscar quanto ao seu reconhecimento. Mas, como muitos de nós já sabem, premiações como esta são muito suspeitas. O que nós podemos enxergar de fato é o crescimento de Ford como cineasta, as incríveis atuações do elenco e as brilhantes ações técnicas do filme. Que venham mais obras como essa porque o desgraçamento mental não para e agradece.
[embedyt] http://www.youtube.com/watch?v=MA4wBYcgEUQ[/embedyt]
Ficha Técnica:
Título original: Nocturnal Animals | Direção: Tom Ford | Ano: 2016 | Elenco: Amy Adams, Jake Gyllenhaal, Isla Fisher, Michael Shannon