Dissecando Séries | This is Us – Uma série que resgata sentimentos adormecidos e nos faz encarar a vida com mais humanidade
No dia 20 de Setembro de 2016, ia ao ar, nos Estados Unidos, o primeiro episódio de This is Us. O enredo era tão promissor que, poucas horas depois da estreia, a NBC renovou a série para sua segunda temporada, o que não costuma acontecer com grande frequência no mundo do entretenimento. Você deve estar se perguntando o que há, então, de especial na nova queridinha da audiência, certo? Vamos lá.
Um amigo e eu costumamos dizer que algumas séries são como cobertores: nos envolvem, acalentam e abraçam. Fazem com que nos sintamos compreendidos e, de certa forma, envoltos por uma espécie de aura protetora. São aquelas cuja trama é densa e mergulha no que é ser humano, em nossas falhas e nossos acertos, causando, claro, momentos de introspecção. Se isso é bom ou não é uma outra questão. O que importa, aqui, é que This is Us é uma série-cobertor. Ela cativa o público de forma doce, criando uma forte conexão entre nós e os personagens – desde a delicadeza de alguns diálogos até a profundidade de certas questões. Embora os tópicos centrais não sejam novidade na televisão, as tramas não soam repetitivas, forçadas ou distantes da realidade. Talvez seja isto que, em meio à superprodução de Game of Thrones, ao ápice do espelho social em Black Mirror ou à ficção científica de Stranger Things, arremata o espectador: o despertar de emoções e sensações verdadeiras, nada fictícias.
O sucesso da NBC apresenta a vida de cinco pessoas que fazem aniversário no mesmo dia. Jack (Milo Ventimiglia) e Rebecca (Mandy Moore) são um casal à espera de seus primeiros filhos. Randall (Sterling K. Brown) é um marido excepcional, além de ser extremamente dedicado a suas duas filhas. Ele, que também é bem-sucedido na carreira, procura seu pai biológico, que o abandonou quando bebê. Kevin (Justin Hartley) tem a beleza a seu favor. É um ator de talento relativamente duvidoso, mas que estrela a série ruim de comédia The Manny. Já Kate (Chrissy Metz), sua irmã, é assistente pessoal de Kevin. Ela enfrenta, há muitos anos, uma luta contra a obesidade.
A cada episódio, são reveladas partes do passado de cada personagem e, paralelamente, como elas formaram seus medos, sonhos e suas personalidades atuais. Embora todos tenham realidades e perspectivas diferentes, os cinco estão conectados de algum modo.
Arrisco dizer que o primeiro episódio de This is Us é um dos melhores a que já assisti. O que falar de uma série cuja primeira imagem é das nádegas de Milo Ventimiglia? Obrigada, NBC, por esse momento que eu a audiência esperava desde de Gilmore Girls! Brincadeiras ou não à parte, This is Us já mostra seu potencial desconstrutor desde o início: em uma indústria midiática que encara o corpo feminino como estratégia para vender produtos, mas, ao mesmo tempo, tem-no como tabu, é a nudez masculina que aparece na tela. Isso mesmo: o corpo do homem, aquele que é comumente omitido por truques de posicionamento de câmera e edição. Ponto pra NBC.
Com todas as histórias extremamente bem interligadas, o piloto poderia – abstraindo, claro, os 45 minutos de duração – ser comparado a um filme, cujas tramas isoladas, ao fim, juntam-se para formar um desenlace com sentido completo, emocionante e que, talvez, faça alguns olhos transpirarem. Se você ainda não foi visitado por lágrimas, calma, sua hora vai chegar.
Jack e Rebecca
Jack, logo de início, é um homem otimista, perseverante e apaixonado por sua família. Essas características ficam mais evidentes ao longo dos dez episódios da série. Uma cenas é destaque: uma dos filhos sente-se perdido e precisa de exemplos próximos a suas raízes. O pai, então, leva a criança para conversar com um professor de luta. Para iniciar o menino na turma, o mestre reúne pais e alunos e pede que o garoto deite sobre o corpo de Jack. O patriarca da família Pearson, agora, deve fazer flexões como meio de demonstrar ao filho que nunca o deixará cair. Claramente exausto, Jack continua o exercício mesmo depois do fim da atividade.
Em paralelo a um Jack tão carismático e dedicado, temos Rebecca, sua esposa. Algumas de suas atitudes são egoístas, mas demonstram que ela fez o melhor que pôde – ou, pelo menos, prefiro acreditar nisso. No início da série, ela está grávida de trigêmeos e sua bolsa rompe no dia do aniversário do marido. Ao chegar no hospital, eles descobrem que o médico do casal não poderá fazer o parto – este será realizado por um especialista. A cirurgia é complicada, e, apesar de todos os esforços, uma das crianças já nasce morta. As implicações desse momento afetarão a vida do casal significativamente e são o início, mas, ao mesmo tempo, fim de tudo.
Kevin
Kevin é o clichê: embora seja famoso, rico e bonito, não se sente completo. Desde criança, vive em conflito consigo. Ele é extremamente dependente de sua irmã, Kate, pois vê nela o companheirismo e a atenção que julgava não ter dos pais. É difícil criar empatia por ele, mas, aos poucos, percebemos que há questões mais profundas escondidas sob a superficialidade aparente.
Kate
Kate ganha a vida como assistente pessoal de Kevin, seu irmão gêmeo. Nesse meio tempo, ela tenta lidar com uma questão com a qual convive desde criança: a compulsão por comida. Essa luta destrói sua autoestima e faz com que Kate não se veja como suficiente para qualquer convívio social, especialmente festas de Hollywood do irmão e envolvimentos amorosos. Longe de Kevin, ela não sabe qual sua identidade. A batalha de Kate é uma das mais emocionantes da série, e a carga de emoção é certa em quase todas as cenas em que a personagem aparece – seja na infância, mostrando o quanto o bullying pode afetar uma criança, seja na vida adulta.
Randall
Abandonado por seus pais biológicos assim que nasceu, Randall conseguiu se tornar bem sucedido e ter uma linda família feliz. Durante toda sua vida, ele sempre procurou pela família que lhe deu a vida. Em um de seus aniversários, finalmente acha o pai biológico, mas não sabe se quer conhecê-lo ou se sente raiva pelo abandono. É na narrativa de Randall que surgem temas como racismo, homossexualidade, adoção e vícios.
Outro ponto de destaque de This is Us é a qualidade do elenco. Todas as performances são dignas de prêmio – não é à toa que Mandy Moore e Chrissy Metz foram indicadas ao Golden Globe de 2017. Tanto os adultos quanto as crianças foram extremamente bem escolhidos e são peça fundamental para cada lágrima derramada com a série.
Ao fim do episódio piloto, This is Us traz uma surpresa – ou não – para os espectadores: as narrativas, até então, não eram temporalmente datadas. Isso muda quando descobrimos que Kate e Kevin, na verdade, são dois dos trigêmeos de Rebecca e Jack. O casal acabara de perder o terceiro filho, mas, ainda assim, saiu com seus “incríveis três”: um bebê fora abandonado no hospital e Jack, considerando aquilo um sinal, convence Rebecca a adotar a criança – Randall. Esses são os Pearson. A alternância entre o passado – com as crianças e o casal – e o presente é interessante e favorece a narrativa proposta, mas, paralelamente, dá um prazo de validade para que o formato da série seja mantido.
São incontáveis as séries, os filmes e as animações que utilizam relações humanas como enredo de base, mas This is Us tem algo diferente. Ainda não acredita? Veja por você mesmo, mas não nos culpe pelas lágrimas. 😉
p.s: para você que é fã de Gilmore Girls, nos episódios iniciais há uma menção à série, que apresentou o personagem de Milo Ventimiglia como um dos namorados de Rory (Alexis Bledel). #TeamJess