Resenha | “Evangelho de Sangue”: repulsivo e incrível
No ano passado, a Darkside Books abriu a Caixa de Lemarchand e trouxe com ela Hellraiser, filme de terror icônico que, na verdade, foi inspirado em um livro (The Hellbound Heart) de Clive Barker. O autor já tinha a intenção de levar a história dos cenobitas para o cinema desde o início, tanto que escreveu o livro com este objetivo. E deu certo, não é mesmo? O cenobita Pinhead entrou para o hall de vilões mais marcantes do cinema, marcando cada cena em que aparecia.
O livro, no entanto, deixa um pouco a desejar quanto a sua presença. Eu já fiz um post aqui em que falo sobre minhas impressões acerca de Hellraiser, por isso não vou me estender. Só basta dizer que nós leitores queríamos mais os cenobitas – e Pinhead! – naquela história e foi isso que ganhamos com Evangelho de Sangue. Neste capítulo dos Livros de Sangue (The Books of Blood, tradução livre), Pinhead se mistura a outro personagem do universo de Barker: o detetive Harry D’amour. Acostumado a lidar com casos sobrenaturais, encharcados de demônios e fantasmas, o detetive precisa agora salvar sua melhor amiga, Norma, uma senhora de idade médium e cega das mãos do Sacerdote do Inferno que a leva para, nada mais nada menos, que o mesmo submundo. Junto com seus amigos, ele enfrenta mais do que jamais sonhara para recuperá-la em um ambiente que mistura a mitologia de Barker ao universo bíblico.
Bem maior que Hellraiser, Evangelho de Sangue tem uma escrita leve e muito perturbadora. Hã? Calma, eu explico. A maneira como o autor guia o leitor pela história, ou seja, sua escrita deixa o nosso percurso mais simples e fluído. Contudo, isso não quer dizer que a história se transforma numa doce primavera. Afinal, quando um dos maiores escritores de terror da atualidade faria isso? A parte leve da narrativa é constantemente engolida por descrições nojentas e, como dito, perturbadoras de um costume diabólico dos demônios. Além das ações que estes tomam que não tendem ser nem de perto carinhosas. O detetive e seus amigos não são personagens dóceis, tem muita atitude e coragem, o que nos deixa torcendo por eles constantemente – mesmo que você já “ame” o Pinhead de antes.
O Sacerdote é extremamente bem explorado, escavado, apropriado e desenvolvido nesta história. Seus planos egoístas, egocêntricos e maquiavélicos são o centro de uma jornada arrepiante através do Inferno em nome da amizade e da lealdade. E a habilidade do autor em misturar tanto a sua própria imaginação quanto a mitologia bíblica com elementos de magia só faz com que o enredo se enriqueça. Vamos com calma, no entanto, Evangelho de Sangue não é um livro cinco estrelas por pouco. Me pareceu que Barker se prolongou em alguns lugares na obra: algumas descrições físicas um pouco desnecessárias que poderiam ter sido deixadas para a mente do leitor; caminhadas por lugares em que Norma e Pinhead falavam um pouco e nada de importante acontecia; e lugares do Inferno que provavelmente poderiam ter sido omitidos. Eu entendo que estes foram recursos que ajudaram em algumas situações para desenvolver melhor a história, mas acredito que se diminuíssem um pouco o seu uso, a história teria um equilíbrio melhor ainda, sem delongas.
Mesmo assim, não podemos negar que a construção do mundo de Barker seja incrível e bem articulada e que nos deixa com vontade de mergulhar nele, e ler tudo o que tivermos ao alcance que permeie esse universo. Para a nossa sorte, a Darkside já confirmou que teremos mais Clive Barker num futuro próximo, já que detém os direitos do autor no país. E como guardar a ansiedade?
Ficha Técnica:
Título: Evangelho de Sangue | Autor: Clive Barker | Tradução: Alexandre Callari | Páginas: 320 | Editora: Darkside Books | ISBN-13: 9788566636857 | ISBN-10: 8566636856 | Ano: 2016 | Adicione ao: Skoob – Goodreads