“The Crown” faz jus ao Deus salve a rainha! | Diagnóstico
Uma das mais recentes produções da Netflix pode ser caracterizada como uma das mais ousadas, provavelmente ficando atrás somente de Sense8. The Crown fez com que a produtora se deslocasse da sua área de conforto, atravessasse o Atlântico e mergulhasse na sobriedade britânica enquanto conta ao público sobre a história de Elizabeth II, atual rainha da Inglaterra.
A premissa da série causou bastante curiosidade desde os primórdios da produção. Depois de muitas obras que nos mostravam a história de grandes monarcas ingleses, estava na hora que a presente rainha fosse valorizada. Afinal, se fizermos as contas, seu pai, George VI, ganhou O Discurso do Rei; a vida de sua antecessora homônima, Elizabeth I, rendeu dois filmes com Cate Blanchett como protagonista; a rainha Vitória já pode se vangloriar de uma série e um filme (com Emily Blunch a interpretando). A Netflix parece ter sido a primeira a perceber que, além de merecido destaque histórico, o interior do Palácio de Buckingham pode esconder muito mais enredo do que as aparências mostraram através dos anos.
A cronologia da primeira temporada da série é marcada desde o casamento da então princesa Elizabeth (Claire Foy) com Philip, Duque de Edimburgo, (Matt Smith) até o ano de 1954, quando a monarca já tinha se estabelecido como rainha. Durante dez episódios, nós assistimos a uma menina se tornar mulher rápido demais, precisando rezar para não cair da corda bamba que era agradar ao público e ao Gabinete e a sua família ao mesmo tempo. Era considerada por muitos como uma monarca fraca, sem personalidade e despreparada em geral para o grande e novo papel que precisava exercer. Claire Foy soube atravessar as emoções e reviravoltas internas da rainha com magistrado e graciosidade, assim como a tradicional sobriedade e descrição britânica.
Acredito que a sua escolha para a protagonista foi tão boa quanto a de Matt Smith para o papel do duque. O ator mostrou que poderia interpretar algo mais sério em sua carreira e nos mostrou um homem rebaixado por um cargo à uma mulher em um momento da história em que isso diminuía profundamente o ego de qualquer marido (infelizmente, muitos momentos da atualidade ainda seguem esse padrão, prejudicando muitas mulheres, e suas carreiras, e casamentos mundo a fora). Ele precisou lutar contra a sua falsa significância simultaneamente a sua falta de poder ou influência no mundo ao seu redor. Smith conseguiu trazer para o público a insatisfação de Philip muito bem e me surpreendeu em como sua atuação se desenvolveu e cresceu. Outro destaque de atuação vai para Vanessa Kirby, intérprete da excêntrica princesa Margaret, irmã mais nova de Elizabeth, que nutria um grande amor por um homem mais velho e divorciado. O caso entre os dois ganhou o mundo e o interesse da mídia com muita força, tanto que colaborou para rachar as estruturas da família real. Se foi de maneira imperdoável ou não, teremos que esperar a segunda temporada, já em estágio de filmagens.
Após breve pesquisa, é fácil encontrar críticas negativas à série no que diz respeito ao número de audiência. Contudo, vamos deixar claro que quantidade não costuma vir acompanhada de qualidade e vice-versa. A série trouxe uma produção impecável, que nos lembra fortemente ao estilo de Downton Abbey. O cenário corresponde de maneira perfeita aos anos 1950 e ao estilo da Londres de então, além, é claro, da arquitetura da realeza britânica com muitas sequências passadas nos palácios e casas da família ao redor do Reino Unido. A extravagância, contudo, não está presente. Todo o luxo é moldado nos valores de moral e nos costumes ingleses – o que pode ter prejudicado a sua audiência em alguns lugares do mundo, principalmente, nos EUA. Por fim, a fotografia é na maioria fria para que se destaque muito mais a interpretação do elenco do que o seu redor, contudo o mesmo mecanismo sabe brilhar quando é necessário, nos melhores e mais indicados pontos da história.
Ao contrário do que o ranking de audiência indicou, a série tem muito potencial para o seu segundo ano. Eu posso afirmar que estou bastante ansiosa para o desenrolar da história da família real, para descobrir se o padrão de qualidade da produção irá se manter e se o elenco conseguirá se desdobrar pelas próximas décadas. A mega produção pode não ser o programa mais visto na Netflix, mas uma vez que apertamos play, ela se tão torna grandiosa aos nossos olhos e seu valor salta, alcança o público e não larga até o último segundo do episódio final.