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Resenha | O Conto da Aia: Margaret Atwood faz você rever o mundo.

Ouvi falar uma vez que em média uma pessoa consegue ler dois mil livros na vida. Ao mesmo tempo em que acho esse número aterrorizante, me pego pensando “só isso?”. São tantos livros incríveis que vemos por aí que dois mil parece uma quantidade ridícula. Alguns livros felizmente são descobertas maravilhosas que se mostram uma grande perda, caso fiquem de fora das nossas leituras da vida. O Conto da Aia, de Margaret  Atwood, é um deles.

Nesse livro, nós acompanhamos a história de uma mulher que viu sua vida se transformar após um golpe teocrático acontecer no seu país. A atmosfera e a cultura do lugar passam a ser ambientadas em um regime ditatorial e religioso que aparenta o cristianismo do antigo testamento. As mulheres agora desempenham funções e são divididas em castas de acordo com o seu trabalho.  Uma aia, função da nossa protagonista, é a responsável pela procriação. Ela é treinada e destinada a um casal de alta posição hierárquica do governo local para dar-lhes filhos.

Através dos olhos dela, nós acompanhamos o cotidiano de uma aia, lembramos um passado recente que parece ser longínquo, refletimos sobre soluções inverossímeis, mergulhamos na mente de uma nova sociedade. Offred – seu novo nome – se delonga em descrições e devaneios que realmente fazem o leitor acompanhar uma linha de pensamento que enxerga com dificuldade a nova realidade.

Uma aia é alvo de inveja, desprezo e distância. Elas são vistas como o pilar da sociedade, afinal são elas que trazem a vida à uma sociedade de baixa natalidade e cheia de infertilidade. Não é uma posição fácil porque, por baixo do “glamour”, vive uma mulher que não teve muita escolha – ou melhor, nenhuma – sob o seu corpo e precisa aceitar que uma vez por semana seja abusada em busca do aumento da natalidade local por um homem com quem não tem qualquer vínculo emocional. Ainda precisa conviver com a Esposa desse homem, o Comandante, que não faz qualquer esforço para que ela se sinta bem-vinda.

Qualquer mulher nessa sociedade sofre opressão. A liberdade não é mais algo comum a todos, agora é um aparente direito do homem. E digo aparente porque durante a leitura nós conseguimos delimitar, mesmo através dos olhos de Offred somente, até onde as ações do homem podem ir sem infringir a lei rígida do novo governo religioso. Voltando a questão da mulher, no entanto. Suas funções são básicas – cozinhar, limpar, lavar e procriar – e modulam uma parcela da sociedade crescentemente analfabeta, uma vez que elas foram proibidas de ler e escrever. A higiene pessoal caiu para mais do que o básico. E ainda, a higiene que é ligada a vaidade é abolida. As mulheres são uma classe, não mais indivíduos, em especial as Aias que perdem, inclusive, seus próprios nomes e viram uma propriedade de alguém (of Fred).

A resistência para com o governo é pouco abordada graças à narradora personagem. Nós somos guiados por um cotidiano de alguém que não está tão inteirada com a situação política em menor escala porque não tem interesse e, em maior, porque não tem fontes. Como se não bastasse a constante vigília ditatorial, a opressão vem através da religião como a mais forte justificativa para a nova fase. Nós encontramos a violência, a repressão, os mártires e a máscara de que agora tudo está melhor do que antes – “os tempos de anarquia”, como chamam as Tias -, em um estilo bem parecido com 1984, de Orwell. E, mais uma vez como esta obra, nós acompanhamos um momento de um indivíduo de rebelar-se numa tentativa de tornar o dia-a-dia mais confortável e não de salvar o local. Você acompanha essa distopia não para saber o que acontecerá com a suposta mocinha (isso não é Jogos Vorazes ou Divergente) e, sim, para descobrir um novo olhar sobre a sua sociedade, para evocar a necessidade da defesa e da reflexão sobre os direitos e liberdades do ser humano seja no público ou no privado.

Apesar da leitura arrastada graças aos devaneios, reflexões e descrições de Offred, O Conto da Aia é um livro que traz consigo muitas questões políticas, sociais e econômicas que merecem ser conhecidas, discutidas e trabalhadas. A autora afirmou em uma obra posterior  que não colocou no livro nada que já não tenha acontecido na nossa história. Isso é com certeza uma das partes mais assustadoras, seguida, é claro, pelo medo de que aconteça de novo.

Ficha Técnica:

Título: O Conto da Aia | Autora: Margaret Atwood | Páginas: 368 | Editora: Rocco | ISBN-13: 9788532520661 | ISBN-10: 8532520669 | Ano: 2006 | Adicione ao: Skoob – Goodreads |

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Apaixonada por música, cinema, moda e literatura, história mundial e andar de bicicleta. Sonha em ter muitos carimbos em seu passaporte.

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