Literatura

Resenha | “Diário de Uma Escrava”: um livro de perder o sono

Eram um pouco mais de meia-noite quando comecei a ler Diário de uma Escrava, de Rô Mierling. Eu tinha ficado algumas horas na frente do pc organizando coisas para o site e precisava tirar minha mente da máquina. Para isso, não há melhor solução que um livro. Ao abrir aquelas páginas, no entanto, eu não sabia que entraria numa história tão impactante que traria e instigaria a insônia a cada novo parágrafo.

Começamos o livro com o relato de um dia de cativeiro de Laura. Ela foi sequestrada quando tinha quinze anos por um homem a quem chama de Ogro e mantida em um buraco/quarto desde então, sendo abusada há quatro anos. Além de protagonista, ela é uma narradora feroz, ácida e – como é de se esperar numa história como essa – extremamente emocional. Isto não é, contudo, algo meloso. São emoções de alguém à flor-da-pele, vivendo em seu limite e expandindo-o em busca da sobrevivência, sempre se surpreendendo com o seu próximo passo.

E ali estava eu, de cara, mergulhada na mente de uma menina sequestrada. Sem introduções, sem explicar como era a vida dela antes… Sentiu que era essa a leitura que eu tinha que fazer para acalmar a mente, né? Desde a primeira página, eu sabia que não soltaria aquele livro até seu último ponto final. Eu transitava nas palavras de Mierling nervosa, como quem pede para que, pelo amor de Deus, aquilo acabasse. Eu só queria que aquela agonia, sentida por aquela pobre menina, tivesse fim, que a minha adrenalina baixasse assim que tivesse certeza que tudo estava bem. A autora, no entanto, não é de dar esperanças. Os títulos pareciam nos introduzir a um momento de suavidade, onde algo ali faria com que alguém descobrisse a loucura daquele homem e desse fim ao sofrimento das suas vítimas.

Mas não há suavidade, não há delicadeza. Sua escrita é direta, bruta e realista. Sem papas na língua, ela deixa seus personagens falarem através das suas incertezas, inconstâncias e desesperos, justamente o que imaginamos que faríamos naquela situação. Ela não se perde em páginas e páginas de descrições que você não precisa só para deixar o livro mais cheiinho. Essa redução,  não quer dizer que a história seja incompleta, pelo contrário.

Rô Mierling elaborou um quebra cabeça e nos jogou as peças como quem diz “agora, junta aí!”, similar ao que acontece em um romance policial. Porém, esse thriller psicológico não perde seu brilho quando você está prestes a terminar o jogo, nem mesmo depois de colocar a última peça e ter a imagem límpida a sua frente. Embora tenha um final surpreendente, conhecê-lo não completa um ciclo e diminui a significância da história, o que costuma a não instigar releituras (algo recorrente naquele gênero como um todo). A história de Laura é tão impactante que incomoda; e, principalmente, estar na cabeça dela se torna algo tão perturbador quanto deve ser para a personagem, visto que nos compadecemos da sua dor e enxergamos a lógica dos eu final, mesmo que fiquemos chocados com a nossa própria reação.

Foram três horas de leitura em que meu coração acelerava a cada vez que o Ogro abria a porta, ou se iniciava o relato de algum desaparecimento. Fechei a última página muito mais acordada do que estava quando comecei, um pouco mais desperta do que devia por causa das horas em frente ao computador. Olhei para os lados no meu quarto e pensava como isso poderia acontecer. Mas está aí. A todos os dias pessoas desaparecem sem deixar vestígios  e em muitos casos, como comprova a autora no final do livro através de sua pesquisa, os responsáveis são pessoas com distúrbios como o sequestrador de Laura.

Diário de uma escrava é uma história marcante, uma experiência de leitura espetacular e brilhante. É visível como sua elaboração foi completa e como a autora quis mostrar como a mente humana é instável, mas ainda, como essa instabilidade impacta a sociedade todos os dias. Este livro é um grito sufocante de alerta que tenta (e consegue!) chamar a nossa atenção sobre aqueles que chocam com suas ações viscerais, invadem a mídia e tendem ser esquecidos, varridos para debaixo do tapete.

Pelo nome, é fácil saber que este livro não será uma história delicada, nem mesmo bonita. A história de Laura não é bonita e nunca tentou ser. É real, assustadora e muito mais possível de invadir a nossa realidade do que deveria ser. A Darkside Books trouxe uma beleza a algo medonho em sua edição, ao mesmo tempo sem esconder que ali morava um pedaço da podridão humana escrita de maneira impressionante. Isso. Diário de uma Escrava impressiona. Marca, perturba, desespera. E se tornou um dos melhores livros que já li na vida. E, digo mais, acho muito difícil que saia dessa lista por muitos ou talvez todos os anos dela.

Ficha Técnica

Título: Diário de uma Escrava | Autora: Rô Mierling | Editora: DarkSide® Books  |Edição: 1ª  | Idioma: Português | Especificações: 224 páginas |Dimensões:16 x 23 cm | ISBN: 9788594540195 | Adicione: SkoobGoodreads

Apaixonada por música, cinema, moda e literatura, história mundial e andar de bicicleta. Sonha em ter muitos carimbos em seu passaporte.

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